Sou gandaresa, com orgulho, toda a gente que me conhece sabe que eu encho a boca para falar das minhas raízes. Sou do mar e sou da terra. Os gandareses são teimosos por natureza, está-nos nos genes, na força de acreditar que juntos somos mais fortes que o mar que nos leva os homens, que o vento que nos decepa as colheitas. Somos teimosos e corajosos.
Sou neta de um pescador de Arte Xávega de pele queimada pelo sol e coração apertado pelas marés que lhe levou um quase irmão. Um homem que se fez ao mar agarrado à vida com unhas e dentes. A vida quis levar-mo pelo menos duas vezes, da primeira no mar, quis Deus que uma tábua fosse literalmente a sua tábua de salvação. Perdeu ali uma parte dele e nunca mais, desde há quase 20 anos, entrou no mar dentro do seu barco. Passou a ser a voz da razão na areia da praia, não deixando que outros perdessem a vida no seu barco frágil num mar revolto e sangrento como é o nosso.
Da segunda vez, o cancro chegou de mansinho quase sem se dar por ele e o homem forte, corajoso, imponente e cheio de histórias para contar deu lugar a um valente lutador agarrado à vida sem nunca fraquejar, mesmo quando a quimioterapia lhe levou o cabelo e muitos quilos daquele corpo cansado, ele lutou pela vida sem nunca desistir. Passaram mais de três anos e por muito que um doente de cancro nunca deixe de o ser, ainda que o cancro tenho voltado a tocar à porta, ele mostrou firmeza e continua com aquele sorriso e aquela vontade de viver que nunca vi em mais ninguém.
A vida quis-mo levar, quis privá-lo de conhecer as bisnetas, mas isso não o derrubou e hoje são elas que lhe arrancam os maiores sorrisos. Já pouco importa se vimos um velho homem do mar ir-se abaixo duas vezes, abanou, como uma frágil árvore perante uma tempestade, importa que continua a ser os olhos e a razão dos que partem para o mar no tão afamado Pouca Sorte e continua a ser o homem que abre um sorriso rasgado naqueles olhos azuis do mar quando vê as bisnetas chegarem para lhe surripiar peixinhos da rede.