Feature Phones Big Bang

O feature phone pode ser produzido em massa a uma velocidade muito superior ao smartphone, crescendo de uma forma absolutamente inaudita.

Depois do smartphone, o feature phone está a explodir de uma forma inaudita, criando o que pode vir a ser o fenómeno mais global de sempre. O assunto veio à conversa quando estava a voar baixinho pelo rio Amazonas, num rápido que ziguezagueava entre o Brasil, o Perú e a Colômbia,  no início deste ano. Era época de cheias e o rio galgava a floresta, entrando centenas de metros pela selva, obrigando os indígenas a esculpir canoas improvisadas de madeira das árvores mais próximas, que partilham entre si para garantir a necessária mobilidade. Os que tinham a sorte de poder deslocar-se no rápido até à única cidade existente num raio de mais de seiscentos quilómetros tinham uns telefones diferentes de todos os que já tinha visto. Não eram smartphones, mas também não eram os telefones baratos de entrada de gama destinados a pessoas seniores ou saudosistas dos equipamentos antigos que existiam na Europa.

Eram telefones aparentemente básicos, com ecrãs que não eram tácteis, mas que eram capazes de reproduzir algumas das aplicações mais comuns dos nossos telefones evoluídos:  videochamada, mail, Whatsapp ou mesmo acesso a redes sociais. Na altura, tentei entender a razão por que é que aqueles telefones estavam a ficar tão populares por aquela latitude e percebi que não era só uma questão de preço — era também a questão da bateria, cuja duração se mede em dias ou até mesmo em semanas, e não em horas. Se isso é importante para quem vive por cá, imaginem em sítios onde a electricidade não é uma comodidade habitual.

Entretanto, esta nova gama de dispositivos foi baptizada: são os feature phones e são o dispositivo móvel com maior crescimento do mundo, tanto em vendas, como em procura. Em Março, uma pesquisa pela palavra smartphone tinha como resultado 850 milhões de sites, contra cerca de 900 milhões em Julho. Os feature phones passaram de 80 para 400 milhões de sites no mesmo intervalo de datas. Os números são tão incríveis como silenciosos: neste momento o número de conexões é de 4,6 mil milhões em smartphones  e 3,7 mil  milhões em feature phones. Ainda há um ano, poucos seriam capazes de prever esta explosão, que já deixou muito para trás a (também inevitável, mas apesar de tudo não tão acelerada) explosão de touchpoints em IoT (Internet of Things).

A que se deve este crescimento tão repentino? Quais as características diferenciadoras do feature phone? E porque é que para as marcas este assunto é crucial de ser percebido desde o primeiro momento? O feature phone é um telefone leve, sem tecnologias caras (como o ecrã touch), com teclado, sem acesso a apps, mas com algumas aplicações nativamente adicionadas ao sistema operativo, com uma bateria capaz de aguentar muitos dias e com um preço a rondar entre os quatro e os setenta euros. Na Amazon, há já alguns à venda a dez euros, mas na Índia encontram-se modelos disponíveis a menos de metade. Se o sonho de um computador massivo abaixo dos cem dólares, para poder ser global, nunca chegou realmente a acontecer, é no mercado dos dispositivos móveis que tal acontece. Por outro lado, o feature phone, não dependendo de apenas dos fabricantes globais em oligopólio, pode ser produzido em massa a uma velocidade muito superior ao smartphone, crescendo de uma forma absolutamente invulgar.

As consequências são múltiplas: um relativo abrandamento do crescimento do número de smartphones (estável na Europa e Estados Unidos e que precisava do crescimento da América Latina e Sudoeste Asiático para crescer ainda mais depressa); o aparecimento e crescimento de outros sistemas operativos (menos sofisticados), que já atingem 9% do mercado e podem chegar aos 11% antes do final do ano, contra tendência com anos anteriores (de concentração em Android e IoS); uma oportunidade para marcas que perderam a guerra para Samsung e Apple, bem como para as novas marcas nativas feature phone; uma súbita necessidade de mais largura de banda em algumas regiões do mundo; a preocupação de saber passar conteúdos e anúncios de marketing digital para estes dispositivos e todo o novo ecossistema que pode nascer com eles.

Marcas que estejam ou queiram estar em países como a Índia, Indonésia, Vietname, Filipinas, Laos ou Malásia (os 5 estão entre os 8 países em maior crescimento digital no mundo) não podem simplesmente ignorar esta nova realidade. Por outro lado, e quase paradoxalmente, acredito que esta será uma forma de preparar centenas de milhões de utilizadores para uma evolução para o smartphone, assim que se sofisticarem digitalmente e tiverem possibilidades de o fazer. Ou, alternativamente, os feature phones cruzarem a barreira do smarphone de entrada de gama, assim que a produção massiva fizer baixar os preços ao ponto de tal se justificar.

Hoje, já há mais pessoas com smartphone (66% da população mundial) do que pessoas a viver em zonas urbanas do mundo (54%), o que diz muito sobre a importância deste movimento mobile. No espaço de dezoito meses podemos assistir a uma extensão ainda mais global, já que esta aceleração, se a Índia e a Indonésia crescerem como previsto, pode levar a que mais de seis mil milhões de pessoas tenham um dispositivo móvel, muito mais dos que terão internet.

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