Tal como nós, os corvos também fazem planos para o futuro
Até agora, acreditava-se que apenas humanos e grandes símios eram capazes de planear o futuro. Um artigo publicado na revista Science vem trazer novidades — os corvos conseguem fazer planos como crianças de quatro anos.
É possível que nunca tenha reflectido sobre a extraordinária capacidade humana — e não só humana, já lá vamos — de planear. O dia-a-dia ou o futuro, o que vamos comer ou vestir, o trabalho que temos para fazer, o jantar, um fim-de-semana de descanso, as férias ou a reforma. Não temos todos a mesma habilidade na hora da organização, mas todos temos a capacidade cognitiva de planear. Parece coisa simples, mas é uma característica quase única dos humanos. Até agora, acreditava-se que apenas nós e os grandes símios o conseguíamos fazer, mas um estudo publicado esta quinta-feira na revista Science vem revelar que também os corvos conseguem planear o futuro em diferentes tipos de situações. E ainda têm a paciência como arma: estão dispostos a renunciar a uma recompensa imediata para ganhar uma melhor mais tarde.
Os corvos são animais fascinantes. Essa conclusão não é de hoje: são bichos sociais e inteligentes — tanto como os chimpanzés, segundo um estudo publicado há cerca de um ano na Royal Society Open Science pelos mesmos autores da investigação agora divulgada, que descobriram a inteligência estava menos relacionada com o tamanho do cérebro e mais com a sua densidade neuronal e estrutura. Mas o assunto agora é outro. Os corvos, concluiu-se, são os únicos animais não hominídeos que mostraram ter capacidade de planear para além do momento presente — para ter uma ideia mais clara, eles conseguirão fazê-lo tão bem como uma criança de quatro anos.
Numa série de quatro experiências, Can Kabadayi e a sua equipa, da Universidade de Lund, na Suécia, investigaram se os corvos (Corvus corax) conseguiam planear de forma flexível. Cada teste implicava duas condições — uma técnica e uma social — para as quais os corvos não têm predisposições comportamentais: o uso e troca de ferramentas com humanos.
Os corvos não são habituais utilizadores de ferramentas e a negociação é algo nunca observado na vida selvagem. Mas a investigação com Rickard, Siden, Juno, None e Embla, os cinco corvos “cobaias” deste estudo, devolveu resultados surpreendentes. Inicialmente, os animais foram treinados para usar uma ferramenta capaz de abrir uma caixa onde estava uma recompensa. Depois, foram confrontados com a caixa mas sem acesso à ferramenta. Uma hora mais tarde, a caixa foi removida e os corvos foram confrontados com a chave que a abria e vários elementos que tinham como função causar distracção.
Aconteceu que quase todos foram capazes de escolher a ferramenta correcta para abrir o aparelho — e mesmo quando esta lhes era dada 15 minutos depois, eles usavam-na para abrir a caixa com uma taxa de sucesso de 86%. A maioria (78%) também teve resultados positivos em experiências semelhantes onde tinham de usar uma ficha para conseguir mais tarde uma recompensa.
Como os corvos e os grandes símios não têm antepassados comuns há mais de 300 milhões de anos, é provável que a capacidade cognitiva de planear tenha surgido nas aves num caminho evolutivo separado. E, em alguns pontos, eles já ultrapassaram os primatas: segundo a investigação, os corvos planeiam as suas negociações com mais precisão do que os símios e igualam-se a eles quando têm tarefas que implicam o uso de ferramentas, apesar da sua falta de predisposição para as manipular.
Depois dos primeiros testes com as caixas, os cinco animais foram então confrontados com a chave de abertura, elementos para os distrair e uma recompensa imediata — e a obrigação de optar por uma delas. Aí os corvos consideraram a recompensa imediata menos apelativa do que a existente na caixa, o que demonstra uma capacidade de auto-controlo semelhante à encontrada nos símios. Alguns demonstraram essa capacidade num intervalo temporal que chegou às 17 horas. E, como nós, planeiam com base na memória de experiências passadas.