Quando a ficção científica é um documentário

Sobre Semente Exterminadora e Aprender a Viver com o Inimigo, de Pedro Neves Marques.

Foto
Semente Exterminadora DR

O texto seguinte foi produzido por um dos participantes do segundo Workshop Crítica de Cinema realizado durante o 25.º Curtas Vila do Conde – Festival Internacional de Cinema. Este workshop é formado por um conjunto de masterclasses e debates com convidados internacionais e pela produção de textos críticos sobre os filmes exibidos durante o festival, que serão publicados, periodicamente, no site do PÚBLICO e no blogue do Curtas Vila do Conde.

Uma das escolhas do Curtas Vila do Conde para o Panorama Nacional foi Semente Exterminadora (2017), de Pedro Neves Marques, que apresenta também uma instalação de vídeo integrada na exposição Terra, patente na Solar – Galeria de Arte Cinemática até 17 de Setembro, intitulada Aprender a Viver com o Inimigo (2017). Em comum, estas obras denunciam a iminência de um desastre ambiental, partilhando algumas das mesmas imagens e, de certa forma, as mesmas personagens.

Semente Exterminadora é peculiar porque se assume como uma espécie de ficção científica documental. O seu discurso pós-apocalíptico, que nos faz duvidar se não estaremos já no futuro, alia-se desconcertantemente a uma imagem real não manipulada do presente. Capivara, termo tupi para o “comedor de capim”, foge de um derrame de petróleo que ameaça a costa brasileira, com a ajuda de Ywy. Ela diz ser androide, mas a sua pele não está coberta de metal, e isso inquieta-nos. Capivara é também, coincidentemente, o nome do estúdio que produz esta curta-metragem, e Ywy significa “terra” em guarani. Apesar de Ywy, “a terra”, nos avisar que o desastre é iminente, Capivara não parece consciente do que se passa. O humano é incapaz de compreender. No Rio de Janeiro a vida continua, E o mundo não se acabou toca no fundo da barraca de fast-food.

Aprender a Viver com o Inimigo foca-se mais no aspecto que alimenta a segunda parte de Semente Exterminadora. Segue a produção de soja, das monoculturas transgénicas e repletas de químicos, optimizadas para a produção de combustível, que poluem a terra. As máquinas dos “fazendeiros” controlam a paisagem, elas sim assemelhando-se a androides. Aprender a Viver com o Inimigo partilha algumas das melhores imagens de Semente Exterminadora, e ao abolir o corpo das personagens aproxima-se da linguagem publicitária, substituindo-as por uma legendagem original e extremamente bem conseguida.

O pensamento ambiental é uma constante na obra de Pedro Neves Marques, e as suas arrojadas metáforas sobre a manipulação genética e os problemas raciais relacionados com os indígenas do Mato Grosso do Sul são importantes. Algo de poético existe no facto de Ywy ser mulher, ser humana, mas, enquanto indígena, se aproximar mais das plantas transgénicas do que Capivara, mais próxima dos “fazendeiros” e das máquinas fálicas que Aprender a Viver com o Inimigo retrata. O fazendeiro diz que as plantas têm alma, mas que os índios e os animais se uniram contra ele. O controlo de populações, para as exacerbar ou extinguir, deve ser denunciado, e Pedro Neves Marques parece acreditar que está na altura de ouvirmos “a terra” nos seus avisos.

Texto editado por Jorge Mourinha

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