Amigos de Liu Xiaobo furiosos com funeral feito à pressa
Corpo do dissdente foi cremado e lançado ao mar. Pequim garante que foi a pedido da família. Amigos e activistas não acreditam.
Os restos mortais do escritor e activista chinês Liu Xiaobo, que morreu na quinta-feira, aos 61 anos, devido a um cancro no fígado, foram cremados e lançados ao mar. Terá sido uma decsião da família? Um porta-voz do Governo de Pequim garante que sim, mas os amigos não acreditam e estão furiosos. Desconfiam que foi uma forma de as autoridades se desfazerem do corpo numa localização desconhecida, para evitar romarias e actos de homenagem a uma personalidade que, no seu país natal, foi tratado como um "criminoso comum".
"É muito mau, é diabólico", reagiu outro autor chinês, Liao Yiwu, que vive no exílio. "São um bando de gangsters", insistiu, em declarações ao diário inglês The Guardian. Amigo de Liu, que foi distinguido com o Prémio Nobel da Paz em 2010, Liao é dos que acreditam que se tratou de um funeral feito à pressa, à revelia.
O que se sabe é que as cinzas de Liu foram lançadas ao mar na costa nordeste. E que a família esteve nas cerimónias, incluindo a viúva de Liu, cujo paradeiro era até agora desconhecido, já que foram divulgadas fotografias para efeitos "de propaganda", segundo o mesmo jornal londrino.
Outro amigo de Liu não acredita nas explicações de Pequim, que recorreu mesmo a um irmão do dissidente falecido, para testemunhar que o funeral em alto mar tinha sido um pedido da família. "O regime deve estar louco. Eles fizeram a pior coisa que se poderia imaginar", alega Mo Zhixu.
Forma de negar "um local físico de memória"
Para o artista plástico Ai Weiwei, foi uma forma de negar "um local físico de memória", onde se pudesse prestar homenagem a Liu e às suas ideias.
Pequim apresenta outra versão. Falando numa conferênca realizada em Shenyang, onde Liu morreu no hospital – para onde tinha sido transferido em finais de Junho dada a sua débil condição física –, um porta-voz do governo assegurou que as cinzas foram levadas até alto mar a pedido da família. "Eles colocaram a urna no vasto oceano", descreveu este responsável, citado pelo Guardian e cuja identidade não é referida.
Em abono desta tese, o mesmo porta-voz surgiu acompanhado de um irmão de Liu, que corroborou os argumentos de Pequim. "Em nome da minha família, quero expressar a nossa enorme gratidão ao Partido Comunista Chinês e também ao Governo porque tudo o que fizeram pela nossa família demonstra uma grande humanidade e cuidado para connosco", disse Liu Xiaoguang, de 68 anos.
Liu Xiaobo cumpria pena de 11 anos de prisão (por ter assinado um manifesto pró-democracia na China) quando lhe foi diagnosticada a doença, numa fase terminal. Foi transferido para um hospital, em finais de Junho, dado o estado de saúde muito debilitado em que já se encontrava.
Um membro da Amnistia Internacional na Ásia arrasou a presença e as declarações do irmão de Liu na conferência promovida pelo governo chinês. Foi um "espectáculo político cruel, duro e insensível", desenhado para mascarar as responsabilidades de Pequim na morte daquele dissidente.
A directora da unidade chinesa da organização Human Rights Watch afirma por seu lado: "É difícil de imaginar que nas actuais circunstâncias o irmão de Liu pudesse ter alguma hipótese de recusar-se a participar" na conferência.
As circunstâncias da morte de Liu levantaram um coro de críticas internacionais contra o executivo chinês, que respondeu dizendo que não admitia interferências externas em "assuntos domésticos".