Cova da Moura: PSP deu versão errada do local de detenção
O Ministério Público concluiu que a versão prestada pela PSP era falsa depois de ter sido feita a reconstituição da detenção na rua errada, indicada pelas autoridades, avança o Diário de Notícias.
O Ministério Público (MP) concluiu que a reconstituição dos incidentes que resultaram na detenção de Bruno Lopes, um dos seis jovens alegadamente agredidos na esquadra de Alfragide em 2015, conduzida pela Inspecção-geral da Administração Interna (IGAI), foi feita na rua errada, conta o Diário de Notícias.
O organismo terá seguido a versão descrita pelos agentes da PSP, mas de acordo com a acusação agora conhecida, esta era uma versão errada e que não coincidia com a que foi apresentada pelos jovens agredidos. Segundo o mesmo jornal, a confirmação é feita pelo Departamento de Investigação Penal (DIAP) da Amadora e da Unidade Nacional de Contraterrorismo da Polícia Judiciária.
A reconstituição aconteceu nove meses depois do incidente, a 5 de Fevereiro de 2015, para que fosse reconstituída a primeira intervenção. A reconstituição teve lugar na Avenida da República, onde a PSP afirmou que uma viatura tinha sido atingida por pedras atiradas por um grupo de dez jovens.
No entanto, no relatório da IGAI, diz o Ministério Público, lê-se que no local onde na versão da PSP a detenção se realizara não havia pedras soltas e "era altamente improvável que alguém trouxesse pedras soltas para ali".
"Se porventura uma pedra tivesse sido arremessada contra a viatura policial, resulta das regras da experiência que o motorista teria de imobilizá-la, o que levaria ainda alguns metros (...) e com toda a certeza que a pessoa que a tivesse arremessado não ficaria à espera que os agentes saíssem da viatura, fugiria de imediato de forma a evitar ser detido pela polícia, e não seria seguramente alcançada em 15/20 metros, como se refere no auto, tanto mais que a rua onde os factos alegadamente ocorreram era íngreme, o detido — Bruno Lopes — trata-se de um jovem de 24 anos, magro, conhecedor da arquitectura do bairro, pelo que rapidamente se colocaria em fuga e se esconderia, enquanto os agentes teriam de esperar que a viatura em que seguiam se imobilizasse e teriam de correr equipados numa ladeira íngreme, o que não lhes permitia alcançar a pessoa que tivesse arremessado a pedra ou o objecto nos 15/20 metros referidos pelos agentes denunciantes", detalha o documento, citado pelo DN.
O despacho de acusação contra os agentes acrescenta ainda que quando a viatura policial ali chegou "não apresentava qualquer vidro partido", como confirmado por 11 testemunhas. Por outro lado, "os vestígios hemáticos [de sangue] deixados no local onde os factos se iniciaram e resultantes da agressão" de que foi vítima Bruno Lopes "estavam localizados na parede da habitação que faz esquina entre as ruas do Chafariz e do Moinho, no bairro da Cova da Moura, e não no local a que o auto de notícia apresentada pela PSP faz referência.
Estas revelações surgem depois de ter sido conhecida esta semana uma acusação do Ministério Público a 18 agentes da PSP por crimes de tortura, sequestro, injúria, ofensa à integridade física qualificada. Estes crimes têm a agravante de terem sido motivados pelo ódio e pelo racismo contra seis jovens da Cova da Moura, uma acusação "sem precedentes" em Portugal. O comunicado com a acusação foi divulgado esta terça-feira pela Procuradoria-Geral distrital de Lisboa.
No documento, lê-se a confirmação da acusação a 18 agentes da PSP "pela prática dos crimes de falsificação de documento agravado, denúncia caluniosa, injúria agravada, ofensa à integridade física qualificada, falsidade de testemunho, tortura e outros tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos e sequestro agravado". Os arguidos encontram-se sujeitos a termo de identidade e residência.