Cais do Valongo, principal porto de entrada de escravos no Brasil, classificado pela UNESCO
O desembarcadouro do Rio de Janeiro recebeu cerca de um milhão de escravos africanos ao longo de três séculos e foi agora reconhecido como Património Mundial da Humanidade.
Até quarta-feira, a Comissão do Património Mundial da UNESCO está reunida em Cracóvia, na Polónia, para rever e aumentar a lista de locais de singular importância para o mundo e para a humanidade. E o Cais do Valongo, no Rio de Janeiro, onde desembarcou cerca de um milhão de escravos africanos ao longo de três séculos, é já oficialmente um dos novos lugares inscritos na lista de Património Mundial da UNESCO. O organismo cultural das Nações Unidas defende que o antigo sítio portuário do Rio de Janeiro deve ser olhado com mesma relevância histórica que Auschwitz e Hiroshima, pois “faz-nos lembrar de partes da história da humanidade que não devem ser esquecidas”. “É um memorial único que contém os últimos vestígios da chegada dos escravos”, disse o antropólogo Milton Guran em declarações à AFP.
O Cais do Valongo tornou-se o principal porto de entrada de escravos no Brasil e nas Américas. O desembarcadouro e o terreno circundante foram erguidos em 1779 num esforço de afastar aquela atroz prática comercial do centro da cidade, de acordo com a jornalista Julia Carneiro, da BBC. Os vestígios arqueológicos que dele nos chegaram representam a “prova física mais importante da chegada forçada dos escravos de África ao continente americano”, reitera a Comissão. Após o desgaste da longa travessia do Atlântico, alguns dos escravos ficavam na zona do cais para recuperar e ganhar peso e poderem ser vendidos posteriormente. Muitos não sobreviveram e foram enterrados num cemitério ali perto entre 1770 e 1830. Outros libertaram-se da sua condição e radicaram-se na área, que ficou conhecida como “Pequena África”.
Em comunicado citado pela Agência Lusa, o governo brasileiro sublinha que o Cais do Valongo “é um local de memória que remete a um dos mais graves crimes perpetrados contra a humanidade”, a escravatura. Quatro milhões de escravos chegaram ao Brasil entre os séculos XVI e XIX para trabalhar nas plantações e na lide doméstica. Este número equivale a 40% dos africanos que chegaram vivos às Américas nesse período. Cerca de 60% terão entrado pelo Rio de Janeiro e estima-se que perto de um milhão de escravos terá chegado pelo Cais do Valongo.
O tráfico de escravos foi banido no Brasil em 1831, aquando da sua independência de Portugal, mas continuou ilegalmente até à abolição da escravatura em 1888. O Cais do Valongo foi, a partir daí, usado como aterro sanitário. Mais recentemente, o terreno acabou por dar lugar a um parque de estacionamento e a uma praça. Boa parte dos vestígios arqueológicos do Cais do Valongo foi descoberta durante os trabalhos de restauro levados a cabo por ocasião dos Jogos Olímpicos de 2016.
Ilha japonesa onde é proibida a presença feminina está na lista
Além de reconhecer a relevância do Cais do Valongo para a compreensão da história da humanidade, a Comissão do Património Mundial da UNESCO também integrou na lista a ilha sagrada de Okinoshima, no Japão. Situada entre a ilha de Kyushu e a península coreana, Okinoshima é um local de culto onde antigamente se rezava pela segurança marítima, tendo funcionado como centro de coordenação de relações entre a China e a Coreia desde o século IV. A ilha não pode ser visitada por mulheres e os homens que a frequentem devem despir-se antes de se banharem nas suas águas.
De acordo com o britânico The Guardian, cerca de 200 homens têm autorização para visitar Okinoshima apenas uma vez por ano, a 27 de Maio, para homenagear os marinheiros que morreram em combate durante o conflito russo-japonês entre 1904 e 1905. Antes de se dirigirem para o mar, devem cumprir os rituais centenários e tirar a roupa para se livrarem de impurezas nas águas da ilha. A razão para a proibição da presença das mulheres em Okinoshima nunca foi publicamente admitida, mas segundo o xintoísmo, a tradicional doutrina japonesa, o sangue da menstruação é impuro.
A classificação da ilha japonesa como Património da Humanidade dar-lhe-á acesso a fundos para a sua preservação, mas alguns locais já manifestaram a sua preocupação com futuros estragos. Segundo o Guardian, as mulheres e o turismo continuarão a ser banidos apesar da enchente de pedidos de agências de viagens. “Não abriríamos Okinoshima ao público mesmo que fosse colocada na lista da UNESCO, porque as pessoas não devem visitá-la por curiosidade”, disse Takayuhi Ashizu, sacerdote da Munakata Taisha, ao The Japan Times no ano passado.
O encontro anual da Comissão do Património Mundial da UNESCO, que termina esta quarta-feira, tem dado que falar pela classificação da cidade de Hebron, na Cisjordânia, como Património Mundial da Palestina. A acção enfureceu Israel, tendo o ministro dos Negócios Estrangeiros israelita considerado a resolução “uma nódoa moral”. Já Benjamin Netanyahu caracterizou a decisão como “delirante” e afirmou esta segunda-feira que a construção do Kedem Center, um centro de visitantes na zona de Jerusalém oriental, será terminada em resposta à declaração de Hebron como património mundial. “Hoje ordenei que se completem os procedimentos para a conclusão do Centro Kedem para mostrar os achados históricos e arqueológicos da Cidade de David", afirma o primeiro-ministro israelita em comunicado. As instalações situam-se no bairro de Silwan, nos arredores de Hebron.
Em reunião de ministros, Netanyahu fez ainda saber que reduzirá em um milhão de dólares (cerca de 877.144 euros) os fundos destinados às Nações Unidas, alocados para “a construção de um Museu do Património do povo judeu em Kiryat Arba (colonato) e Hebron”.
Notícia corrigida às 17h17 para precisar as datas da proibição do tráfico de escravos e da abolição da escravatura no Brasil