Definir a música dos Heliocentrics é um exercício ingrato que, apesar de esta música poder, erradamente e numa primeira escuta, soar imprecisa, implica exactidão. O funk, o jazz e o afrobeat são os pilares em que assenta uma música tão vasta e improvável que é capaz de albergar sons etíopes, como no fabuloso Inspiration Information, de 2009, em que os Heliocentrics recriavam, com ajuda dele, a obra de Mulatu Astatke, ou africana, como em Jaiyede Afro, de 2014, uma revisão do som de Orlando Julius.
A categoria de adjectivos que possam qualificar de forma eficaz o universo dos Heliocentrics é vasta; pela certa avançaríamos com “histórico” e “cósmico”. O primeiro à conta do enraizamento desta música na tradição funk americana, o segundo pela propensão expansiva do grupo — não é costume haver refrães aqui, e os temas não raro estrapolam o que o radialista comum consideraria aceitável.
World of Masks traz mais um adjectivo: “psicadélico”. Em certo sentido o álbum nasce, como não é raro no universo destes rapazes, de uma colaboração: eles haviam feito a banda-sonora de um documentário sobre LSD, chamado The Sunshine Makers, e essa viagem marca a obra mais recente, no pulsar rítmico, nas cornucópias desenhadas pelas guitarras de Oh brother, nas bastonadas de órgão que convivem com linhas de baixo hipnóticas, enquanto morteiros de metais sobrevoam uma catadupa de beats.
Por cima da instrumentália ensandecida está a voz de Barbora Patkova, que não parece muito preocupada em criar estrofes que entrem no ouvido com facilidade — a eslovaca improvisa, impondo a sua voz por entre uma trovoada de sintetizadores, flautas e violinos. Ainda assim, há algo de “correcto” em A World of Masks: reconhecemos de imediato estes sons, sabemos que são psicadélicos; mas este não é um exercício revivalista ou copista: o psicadélico é o ponto de partida, a matriz. A partir daí há uma liberdade imensa para explorar — e se calhar o que define A World of Masks é isso, a liberdade. O psicadelismo aqui presente é negro, muito distante do psicadelismo rosa e inocente que tantas vezes serve para caracterizar a década de 60.
E como com os Heliocentrics é sempre outra coisa, ouçam a estupenda Uncertainty principle, com que o disco termina: cinco minutos e meio de injecção de krautrock dos anos 70 que nos levam à alucinação. Um achado — outra vez.