Críticas de militares visam ministro, Governo e políticos
Há ainda uma vigília de sargentos marcada e uma carta de oficiais para Marcelo.
“A Associação de Oficiais das Forças Armadas (AOFA) salienta que a situação exige a inequívoca assunção de responsabilidades pela tutela ou, em alternativa, a ponderação na continuidade do exercício do cargo.” Esta é a última frase do comunicado assinado pelo presidente da AOFA e junta-se a, pelo menos, mais duas acções que avolumam a pressão sobre o executivo e sobre Belém: há oficiais que enviaram uma carta para o Presidente da República e a Associação Nacional de Sargentos convocou uma vigília para a porta da residência do primeiro-ministro.
Já vêm de, pelo menos, três frentes as acusações pelo desinvestimento nas Forças Armadas, críticas que ganham outra espessura depois do assalto aos paióis de Tancos. Uma está plasmada no comunicado aprovado na reunião extraordinária do Conselho Nacional da Associação dos Oficiais. Apesar de a AOFA não comentar “questões de índole operacional e de gestão interna dos ramos, preocupando-se sim com a defesa de questões socioprofissionais, assistenciais e deontológicas”, considera que “o assalto aos paióis militares em Tancos, como assunto de Estado que é, se reveste de extrema gravidade, devendo ser investigada a situação e definidas todas as consequências que ao caso couberem, para evitar que casos semelhantes se repitam, mantendo à margem do mediatismo jornalístico e político o Exército, enquanto instituição.”
Mas os oficiais não deixam de considerar “que a situação é o reflexo do estado de elevado grau de degradação das infra-estruturas e meios afectos às Forças Armadas, da já crónica falta de pessoal para o serviço e da degradação dos direitos dos militares, tudo tendo por causa as opções políticas de sucessivos Governos, iniciadas há décadas, revestindo-se de particular saliência as questões estatutárias e orçamentais”.
A AOFA entende, por isso, “que é urgente reavaliar as políticas relativas às Forças Armadas, cumprindo a legalidade no que à condição militar diz respeito, resolvendo no imediato a gravosa situação a que se deixou chegar a instituição militar” e que é “imperativo” que o Ministério da Defesa Nacional, o Governo e os restantes órgãos de soberania “o entendam, de uma vez por todas, enquanto primeiros responsáveis pela necessidade urgente de credibilização e defesa do Estado”.
A AOFA deixa mesmo em aberto a possibilidade de ser necessária a demissão do ministro: “A situação exige a inequívoca assunção de responsabilidades pela tutela ou, em alternativa, a ponderação na continuidade do exercício do cargo.”
Sargentos desiludidos com Governo
Também a Associação Nacional de Sargentos (ANS) vai manifestar-se dia 12, a partir das 17h30, em frente à residência oficial do primeiro-ministro. O presidente da ANS, Mário Ramos, explica que a decisão já tinha sido tomada antes de toda a polémica em redor do assalto aos paióis de Tancos, mas ainda assim em causa esteve sempre o desinvestimento nas Forças Armadas. É para esta questão que os sargentos querem alertar António Costa, a quem entregarão um documento com algumas das preocupações, entre as quais estão, por exemplo, questões relacionadas com as alterações aos estatutos dos militares das Forças Armadas, com o congelamento das carreiras, ou com a assistência na doença.
No comunicado enviado às redacções, a ANS mostra alguma desilusão com este executivo: “Mais de dezanove meses são passados desde que o XXI Governo Constitucional tomou posse! Mais de ano e meio decorreu e a janela de esperança que se abriu na sequência das eleições de 4 de Outubro de 2015 vai-se tornando um postigo mais pequeno através do qual a luz da justiça social se vai tornando cada vez mais ténue para os sargentos de Portugal e suas famílias.”
Os sargentos prometem ainda não abandonar a luta: “Os sargentos de Portugal, conforme o têm feito ao longo de gerações, continuarão a lutar por estas questões em sede própria, em todos os locais em que tenham que o fazer, não se deixando iludir por manobras ou jogos de gabinetes, não deixando porém de dar o seu contributo a todas as entidades que o solicitem, mas tendo contudo, a clara consciência de que é ao Governo e à Assembleia da República que compete legislar!”
Oficiais já não respeitam políticos
Apesar de não ter sido escrita pela AOFA, há também uma carta que foi enviada ao Presidente da República e que é subscrita pelos oficiais que tinham convocado uma manifestação e, depois, desmarcaram. Na carta, a que o PÚBLICO teve acesso, pode ler-se: "Talvez pensassem que vínhamos concretizar o ‘pedido de sangue’ e de exonerações. Pois bem enganaram-se, não o iremos fazer, nem seguir o exemplo desastroso de uma classe política que dentro das nossas fileiras deixou de ser respeitada.”
Os oficiais questionam ainda: “Quando é que os partidos políticos e os representantes do povo na Assembleia da República deixam de brincar com o país? Quando é que se sentam e em vez de pensarem nas próximas eleições, se ajudam e em vez de se acusarem, culparem, trabalhem por nós, para nós e por Portugal? A classe política está a prestar um péssimo serviço ao país e assim a continuar a pôr a segurança interna e a estabilidade em causa. Quando é que temos uma classe política com verdadeiro sentido de serviço público?”
Na missiva, pede-se também a recondução dos militares que foram exonerados temporariamente."Quem exonerou os coronéis foi um modus operandi político da esquerda à direita que não sabe o que é dever e honra e que todos os dias demonstra falta de patriotismo e que pediu cabeças, para desculpar de imediato a incompetência política ao longo dos anos a que os votos e a distribuição de serpentinas em tempo de eleições obriga. Os coronéis exonerados são portugueses e, em vez de lhes darem a mão e os apoiarem a investigar os roubos à frente das suas Unidades, humilham-nos", lê-se.
No documento, os oficiais das Forças Armadas apontam ainda o dedo à esquerda e à direita por "cometem um crime de lesa-pátria em não informarem o país, com seriedade e em permanência, da importância das Forças Armadas". E chegam mesmo a lamentar que equipar as Forças Armadas seja considerado um "custo", enquanto que outras situações sejam "investimento". Quais? "Mordomias", "luxúria de festas" e "vernissages megalómanas em que vivem alguns políticos".