São Luiz 17/18: a antropofagia de Tamara, a Odisseia de Jatahy, a América de Castellucci
Rogério de Carvalho, Marco Martins e Carla Bolito são alguns dos portugueses que passarão pelo teatro municipal lisboeta na próxima temporada. Além de Tânia Carvalho, que ali festejará os 20 anos da sua carreira como coreógrafa.
Antes de tudo o resto, a coreógrafa uruguaia Tamara Cubas vai dedicar-se à antropofagia no palco do São Luiz. A abertura da temporada 2017/18 do teatro municipal está a cargo da sua Trilogia Antropofágica, que parte desse texto fundamental da cultura brasileira que é o Manifesto Antropofágico de Oswald de Andrade para revisitar a obra de três criadores de referência na dança contemporânea do Brasil. Entre 15 e 24 de Setembro, Tamara Cubas dedicará duas noites a digerir obras de Lia Rodrigues, Marcelo Evelin e Marta Soares, reinterpretando-as a gosto. É uma abertura-acontecimento que arrancará com uma performance em que os espectadores são convidados a relacionar-se com acontecimentos sociais e políticos actuais, e se prolongará por cinco horas, podendo o público entrar e sair da sala sem restrições.
Não será a única trilogia a marcar presença no São Luiz, com a artista brasileira Christiane Jatahy a regressar à sala lisboeta, depois de E se Elas Forem para Moscou?, em 2016. Em Junho do próximo ano, a encenadora e cineasta apresentará ali, no âmbito do Alkantara Festival, Ítaca, primeira de três visitas à Odisseia de Homero que Aida Tavares, directora artística do São Luiz, “gostava de conseguir acompanhar”, conforme anuncia ao Ípsilon, estando em discussão a possibilidade de o teatro lisboeta ser co-produtor das peças.
Cubas e Jatahy são dois exemplos da consolidação da aposta em programação internacional que Aida Tavares desenvolveu nos seus dois primeiros anos de mandato, dedicados a “estabelecer pontes e abrir portas”. Mas a cada nova temporada, revela, faz sempre “o exercício de pensar em encenadores e em criadores que nunca tenham passado” pelo São Luiz, para não deixar a programação afunilar. Assim, passarão pela sala encenações de Carla Bolito (A Arte da Fome, de Kafka, em Setembro), Mónica Garnel (Ricardo Neves-Neves escreverá, a partir do universo da literatura policial, um texto para esta actriz/encenadora habitualmente ligada aos projectos de Mónica Calle, a estrear em Fevereiro), Cristina Carvalhal (Abril) e Manuel Wiborg (O Homem da Guitarra, de Jon Fosse, em Janeiro, depois da estreia esta quinta-feira no Porto).
Pelas três salas do São Luiz passarão também, desta vez com novas criações, Rogério de Carvalho (nova investida do encenador em Os Negros, de Genet, com o Teatro Griot, Outubro), Tiago Guedes (Órfãos, de Dennis Kelly, Dezembro), Mala Voadora (Amazónia, peça aparentada de Moçambique e inspirada pela linguagem telenovelesca, Novembro) e Marco Martins (Os Actores, escrito pelo próprio em resposta ao desafio lançado pelo teatro, em torno da relação dos actores com os textos, Janeiro).
Além do arranque com Tamaras Cubas, a dança no São Luiz estará presente através de Ana Rita Barata (O Aqui, Outubro), João dos Santos Martins e Rita Natálio (Antropocenas, Outubro, depois da estreia no Festival Materiais Diversos) e a nova criação de Paulo Ribeiro (Walking with Kylián, Fevereiro). Um foco muito particular será apontado por várias salas da cidade na direcção de Tânia Carvalho, durante Janeiro e Fevereiro, a pretexto do 20.º aniversário da carreira da coreógrafa. Ao São Luiz cabe a reposição de De Mim Não Posso Fugir, Paciência! e de 27 Ossos.
Após o esforço de criação de um espaço no São Luiz para a programação internacional, Aida Tavares acredita que agora é tempo de “começar a fixar alguns aspectos”, nomeadamente o acompanhamento de alguns artistas que por ali já passaram. Daí que em Fevereiro de 2018 cheguem ao São Luiz co-produções de novos espectáculos de Joris Lacoste (Suite Nº3) e Romeo Castellucci (Democracy in America, vagamente evocador da obra homónima de Alexis de Tocqueville), mas também, e até final da temporada, novas propostas do Teatro Praga (Jangal, Junho) e de Sandra Faleiro (Dias Felizes, de Beckett, com Cucha Carvalheiro, Abril) e a reescrita de O Solene Resgate, uma das peças curtas de Ricardo Neves-Neves, com a participação de um coro e da Orquestra Metropolitana de Lisboa (OML). “O Ricardo representa um pouco uma das questões essenciais no trabalho com esta geração”, frisa Aida Tavares. “É importante dar-lhes condições de trabalho e ir falando com eles sobre o trajecto que lhes faz sentido.”
E se Neves-Neves regressa em Março a O Solene Resgate, também Joana Craveiro voltará em Novembro ao seu Museu Vivo de Memórias Pequenas e Esquecidas, apresentando no São Luiz a sua série de conferências acrescida do módulo de Paris, ampliação encomendada pelo programa Chantiers d’Europe. E uma vez que em cima se fala da OML, também Sérgio Godinho pisará o palco do teatro num concerto orquestral com arranjos de Filipe Raposo, enquanto Amélia Muge desenvolverá mais um capítulo da sua relação musical com a Grécia e a pianista Joana Gama apresentará o seu recital em torno de Erik Satie.
Joana Gama fará também um espectáculo para crianças no eixo de programação Mais Novos, sob a alçada de Susana Duarte, que inclui ainda espectáculos de Rui Pina Coelho, Fernando Mota, Bruno Cochat e Sílvia Real, Ainhoa Vidal e a adaptação para palco dos quatro volumes da colecção Anti-Princesas (Frida Kahlo, Violeta Parra, Clarice Lispector e Juana Azurduy), publicada pela Tinta-da-China.