Na passada semana o parlamento alemão aprovou a legalização do casamento homossexual, passando todos os casais homossexuais a gozar dos mesmos direitos de um casal heterossexual no momento da celebração e reconhecimento da sua união. Até agora, nada de novo. A ocasião foi notícia em quase todos os meios de comunicação social portugueses.
Aquilo que é de notar é a facilidade e rapidez com que toda e qualquer tragédia terrorista que esteja associada ao Estado Islâmico faça capa de jornal e eu não consiga encontrar um único link português que remeta para um facto curioso e bastante relevante sobre esta votação: todos os deputados muçulmanos votaram a favor da lei e, inclusivamente, quatro deles fizeram parte da redacção do documento (que inclusivamente prevê a adopção por parte de casais homossexuais).
O leitor poderá pensar que os deputados em questão são da ala mais liberal do parlamento, isto é, dos partidos mais à esquerda e, naturalmente, favoráveis à aprovação da lei, como tem sido hábito nos países que levam a cabo esta votação, o que pode distorcer esta aparente unanimidade muçulmana em torno desta questão e, em parte, estará certo. Ainda assim, até Cemile Gioussouf, deputada muçulmana do partido conservador de Angela Merkel, votou favoravelmente, contrariamente à maioria dos deputados do partido que representa (o maior do parlamento).
Não quero com isto dizer que se até os muçulmanos votaram a favor da lei, então não existe razão para que um cidadão orgulhoso da sua identidade ocidental e progressista se manifeste contra a legalização do casamento homossexual. Isso seria alinhar nos estereótipos associados à comunidade islâmica, os quais me dispenso de citar. Este facto confirma apenas que jamais será o preconceito que irá ditar os valores de uma sociedade e como a comunicação social portuguesa ignorou de forma clara um acontecimento inequívoco que incide sobre uma temática fracturante, no qual os representantes da comunidade muçulmana se colocaram do lado da maioria liberal e progressista, aqueles que costumam ser os maiores argumentos contra a presença do islão nos países europeus, a qual algumas personalidades qualificam mesmo como sendo uma invasão. Certo foi que os 226 votos contra provêm, em grande parte, dos católicos conservadores, mas certamente não serão vistas manifestações contra o conservadorismo da religião instituída por tradição na Europa (nem faria sentido que tal acontecesse).
É isto que é a democracia e será, certamente, por isto que milhões de muçulmanos fogem das guerras e da tirania que assombram os seus territórios. Certamente existirão questões que dividem católicos, muçulmanos ou ateus e o mesmo se aplica para as mais variadas culturas presentes no Mundo. Mas existe, também, uma característica presente em todo o ser humano independentemente da sua origem: capacidade para pensar. E é precisamente por pensar que se discute. Deve ser, acima de tudo, por pensar que, por mais tentador que seja, não devemos cair no erro de rotular pessoas ou culturas. Mais tarde ou mais cedo, eventualmente, o preconceito não vai funcionar.