Guerra submarina da Alemanha foi a responsável pela base militar dos EUA nos Açores
Um ataque de um submarino alemão durante a I Guerra Mundial a Ponta Delgada está na origem do interesse geopolítico norte-americano pelo arquipélago, conclui um especialista em relações internacionais.
A impossibilidade de circular em liberdade no Oceano Atlântico, provocada pela Alemanha, levou os Estados Unidos da América (EUA) a instalarem, há 100 anos, uma base naval nos Açores, defendeu o especialista em relações internacionais Luís Andrade.
"A razão fundamental que está na génese da criação da base naval americana em Ponta Delgada [ilha de São Miguel] foi o facto de não ter havido na altura, por causa da Alemanha, liberdade de circulação nos mares, que era um princípio fundamental da política externa dos Estados Unidos da América (EUA)", explicou à agência Lusa o professor catedrático da Universidade dos Açores.
Em 4 de Julho de 1917, um submarino alemão, o U-155 Deutschland, bombardeou a cidade de Ponta Delgada, provocando um morto, feridos e danos materiais. O ataque acabou por ser travado por um navio norte-americano, o carvoeiro Orion, estacionado na ilha de São Miguel.
Os norte-americanos possuíam um navio carvoeiro em Ponta Delgada, dada a relevância geoestratégica dos Açores, com a intenção de criar o primeiro depósito de carvão dos EUA para abastecimento das embarcações na travessia do Atlântico Norte.
O ataque a Ponta Delgada surgiu no âmbito dos vários saques de alemães, durante a I Guerra Mundial (1914-1918), a navios que circulavam no Atlântico Norte, para se abastecerem, desestabilizando-se assim o fornecimento da Europa por parte dos americanos.
Luís Andrade afirmou que uma vez que a Alemanha "estava a intrometer-se na liberdade de circulação" no mar, inclusivamente com países neutrais, como era o caso dos EUA, até 1917, assistiu-se a uma "declaração de guerra" por parte de Washington.
Os Açores já tinham desempenhado "vários episódios históricos importantes" nas relações bilaterais entre Portugal e os EUA, mas o especialista considerou que é "sobretudo no século XX" que a importância geoestratégica do arquipélago emerge, com a I e a II Guerras Mundiais e no período do pós-guerra fria.
"Apesar de os EUA terem vindo a reduzir substancialmente a sua presença militar, não irão abandonar os Açores porque, no âmbito da geopolítica, o pior que pode acontecer é criarem-se vazios de poder, uma vez que alguma outra potência poderá ocupar este espaço", vaticinou.
Luís Andrade recordou que este cenário "foi evidente" quando na década de 40, durante a II Guerra Mundial, o Reino Unido e os EUA promoveram um ultimato a Portugal, quando António Oliveira Salazar estava no poder, ameaçando os Aliados invadir os Açores.
Salazar vinha a protelar a concessão de instalações militares nos Açores, mas viria a ceder à pressão dos Aliados, tendo em 8 de Outubro de 1943, os ingleses estacionado um destacamento militar na ilha Terceira, que se considerava fundamental para o esforço de guerra.
"Penso que isso prova, claramente, a importância fundamental que os Açores tiveram. Obviamente que com os avanços científicos e tecnológicos, ao longo dos anos, assistiu-se a alterações, mas mantém-se esse interesse por parte da maior potência mundial de assegurar uma presença na região", concluiu.
Só em finais de 1917 os EUA pediram, oficialmente, o estabelecimento da sua primeira base americana de "marines", nos Açores, designadamente em Ponta Delgada.
Foram criadas várias infraestruturas, com destaque para duas peças de artilharia montadas em Santa Clara e nas Feteiras, no concelho de Ponta Delgada, e espaço para hidroaviões, a par da presença de submarinos.
Segundo os historiadores, a questão geoestratégica dos Açores, revelada por este ataque a Ponta Delgada, entre outros episódios, coloca-se desde os Descobrimentos, uma vez que o arquipélago possuiu um papel privilegiado no Atlântico.
Actualmente, os militares norte-americanos possuem um destacamento na base aérea das Lajes, na ilha Terceira, no âmbito do Acordo de Cooperação e Defesa entre Portugal e os EUA, também conhecido por Acordo das Lajes.
Na sequência do anúncio, em 8 de Janeiro de 2015, da redução da presença norte-americana nas Lajes, os Açores apresentaram um plano de revitalização económica da Terceira, no qual pedem ao Governo da República que assegure junto dos EUA 167 milhões de euros anuais, durante 15 anos, para a ilha.