Não caíram raios no sítio e à hora do início do incêndio de Pedrógão Grande

Analisadas as descargas eléctricas na zona considerada como o ponto de ignição, na tarde de 17 de Junho. Se tudo começou com uma trovoada seca, os registos meteorológicos não o indicam.

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Incêndio de Pedrógão Grande Daniel Rocha

Além do fenómeno meteorológico de downburst que terá propagado o incêndio de Pedrógão Grande a grande velocidade, uma combinação de outros factores, como um tempo quente e seco, problemas nas comunicações da rede nacional de emergência e segurança (o SIRESP) e terrenos ocupados por uma floresta inflamável contribuíram depois para as consequências desta tragédia. Mas, quanto ao início do incêndio florestal, qual foi exactamente a causa? Uma trovoada seca cujos raios atingiram o chão (causa natural) ou fogo posto (causa criminosa)?

Houve chamadas para o 112 a alertar para o incêndio e a dizer onde é que tinha começado. Considera-se que o seu início foi às 14h43, perto da aldeia de Escalos Fundeiros, na sequência de um relato anterior para o 112. Nesses relatos, as pessoas também diziam que não tinham visto sinais de trovoada seca (com descargas eléctricas na atmosfera, mas sem chuva) perto da zona do início do incêndio. Que não viram trovoada no ar nem ouviram trovões. Mas podia ter-se dado a situação de a trovoada estar longe e de as descargas eléctricas que gerou, os raios, terem viajado distâncias longas e terem ido cair em Escalos Fundeiros.

Ainda que os testemunhos não falassem de trovoada naquele sítio, numa área geográfica mais alargada houve trovoada naquela tarde. Os dados em bruto do IPMA, tanto do radar meteorológico de Coruche como de quatro sensores que registam descargas eléctricas (localizados em Braga, Alverca, Castelo Branco e Olhão), já tinham indicado que tinham sido gerados 277 raios na atmosfera na região, entre as 14h30 e as 16h. Dessas descargas, 233 teriam sido dentro das nuvens e as restantes 44 teriam caído no solo. Uma das questões era se um dos raios que caíram no chão foi o responsável pela ignição do incêndio.

Na manhã de 18 de Junho, o dia seguinte ao início do incêndio, um perito da Polícia Judiciária (PJ) já tinha identificado uma árvore com sinais de ter sido atingida por um raio perto do local indicado pelos testemunhos como o ponto inicial do incêndio. Por isso, naquela manhã, o director nacional da PJ, Almeida Rodrigues, anunciou que já tinham conseguido “determinar a origem do incêndio” e que tudo apontava “muito claramente para causas naturais”, tendo sido encontrada “a árvore que foi atingida por um raio”.

Geralmente, um perito em incêndios procura, entre outros aspectos, uma série de vestígios para determinar onde um fogo terá começado. No caso de uma árvore atingida por um raio, ela não arde: funciona, antes, como um pára-raios, que recebe a descarga eléctrica e que desce até ao solo. Durante a descida pela árvore, o raio abre-lhe fissuras na casca ou enegrece-a, sinais que um perito em incêndios procura. Essa árvore apresenta uma descontinuidade com o que está à sua volta, como um estandarte que se destaca na paisagem.

O incêndio começa então ao nível do chão, nas ervas e nos arbustos, e desenvolve-se a partir desse ponto. No início, a sua altura é baixa. À medida que se afasta desse ponto é que a altura vai aumentando. Subindo a altura das chamas, a amplitude dos danos nos materiais também é maior — e esse é outro dos sinais procurados no terreno. Além disso, o vento empurra as chamas (sem vento, um incêndio seria redondo) e a retaguarda ardida aponta para o ponto de ignição.

Mas seriam as provas recolhidas no terreno pela PJ sobre o ponto de ignição corroboradas pelas provas meteorológicas? O que mostrariam os dados do radar meteorológico de Coruche e dos quatro sensores de descargas eléctricas do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA)? Ou seja, o que se viu no terreno ardido também é validado pelos registos do que se passou na atmosfera?

Para saber isso, o IPMA voltou a processar todos os dados em bruto recolhidos pelos sensores de descargas eléctricas, para determinar de forma mais rigorosa o local e a hora a que caiu cada raio. E comparar os dados das descargas eléctricas com os dados do radar sobre as nuvens na região que teriam produzido esses raios. Resultado, que consta do relatório do IPMA sobre as condições meteorológicas associadas ao incêndio: não foram encontradas provas da existência de descargas eléctricas de nuvens para o chão (em que a rede de detecção tem uma eficácia de 95%) que sejam compatíveis com as descrições sobre o início do incêndio. Mais: à hora e por cima do sítio apontados como a origem da ignição, não havia o tipo de nuvens que gera trovoadas — as cúmulo-nimbos.

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“Do ponto de vista do desencadeamento do fogo de Pedrógão Grande, o relatório atribuiu uma probabilidade reduzida à existência de uma descarga eléctrica em Escalos Fundeiros. Não se pode descartar completamente essa hipótese, mas nada foi observado na rede que levasse a essa conclusão”, diz Miguel Miranda, presidente do IPMA.

Fazendo um zoom sobre a região perto do incêndio, das dez descargas nos dados em bruto aí registadas entre as 14h38 e 14h48 (um pouco antes e depois da ignição), a análise minuciosa descartou três dentro das nuvens. E considerou as duas únicas descargas nuvem-solo (que até eram longe do ponto de ignição) como tendo uma probabilidade mínima de terem ocorrido. Pelo que das dez descargas dos dados em bruto, sobreviveram à análise cinco (todas dentro das nuvens, o que não é relevante para a discussão do início do incêndio). “A presente análise sugere uma probabilidade baixa, não nula, de ocorrência de descargas nuvem-solo na proximidade do local de início do incêndio de Pedrógão Grande”, refere o relatório. Esta conclusão é, assim, um elemento a juntar à discussão.

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