Duas semanas de uma tragédia ainda sem grandes respostas
Muitas perguntas foram feitas às autoridades sobre o que se passou na zona do Pinhal Interior para que tivessem morrido 64 pessoas e tivessem ardido mais de 500 casas. Quinze dias depois, o PÚBLICO diz-lhe o que já se sabe e o que ainda falta saber.
Vários responsáveis já falaram, já houve dois debates e uma audição no Parlamento, já estão em marcha oito inquéritos e uma comissão independente, mas duas semanas depois não se sabe o que aconteceu. Nem tão pouco há certezas sobre a origem do fogo ou se a resposta foi a adequada. E encontraram-se falhas, mas nunca admitidas pelas próprias entidades responsáveis.
As vítimas
Morreram 64 pessoas, estão todas identificadas pelas autoridades, mas a lista não é pública. O PÚBLICO conseguiu apurar quem são 59 das 64 vítimas, cruzando relatos e informações no terreno, mas não se sabe a razão da morte de cada uma das pessoas nem as horas a que morreram. Sem estas informações não é possível rastrear o caminho que fizeram as vítimas, para que se perceba o que falhou. Pelos relatos feitos, é possível perceber o caminho percorrido por 51 vítimas — grande parte das vítimas morreu na Estrada Nacional 236-1 ou a caminho dela (47 pessoas). Várias foram as vítimas que morreram à saída de aldeias em estradas de ligação à EN e várias pessoas morreram em casa asfixiadas ou carbonizadas. Pelos relatos, as vítimas do incêndio dirigiram-se de Norte para Sul (de Castanheira de Pera para Figueiró dos Vinhos).
Não é possível aferir se alguma das vítimas foi encaminhada pela GNR para a EN 236-1. A GNR admite que cortou o IC8 às 18h50, dando como alternativa a EN 236-1 no sentido Figueiró dos Vinhos-Castanheira de Pera. Há relatos de feridos que foram encaminhados pela GNR, mas não há registo público de uma vítima que tenha seguido no sentido Sul-Norte, em resultado dessa ordem. Contudo, como não é possível aferir o trajecto de pelo menos 13 pessoas.
Em relação à hora das mortes, as informações são muito dispersas. A ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, conta que o acidente entre o carro particular em que seguiam duas pessoas e o carro dos bombeiros de Castanheira de Pera ocorreu às 20h44 e que esse foi o primeiro incidente na estrada — Gonçalo Conceição, o bombeiro de Castanheira, viria a morrer no hospital, mas os dois ocupantes do carro morreram logo. A avaliar por esta informação da ministra, estas terão sido as primeiras vítimas mortais.
Até agora, o único relatório que dá indicação de intervalos de horas é o da Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna (SGMAI), que localiza as primeiras vítimas pelas 20h entre Outão/Figueira/Ramalho/Senhora da Piedade e as últimas vítimas às 23h em Vilas de Pedro.
Incêndio
No domingo de manhã, poucas horas depois de terem ido para o terreno, já o director nacional da Polícia Judiciária afastava a possibilidade de mão criminosa no fogo de Pedrógão Grande. Essa não é a avaliação que é feita pelo presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses, Jaime Marta Soares, que suspeita de fogo posto. É também a convicção de muitos populares da zona.
Para determinar as causas, será importante o esclarecimento do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), mas as primeiras informações não foram coincidentes. No site do IPMA (consultado no dia) não havia registo de qualquer raio na zona de Escalos Fundeiros, apesar de haver registos de 300 descargas eléctricas na zona. Em respostas ao primeiro-ministro, o IPMA disse que ia investigar cada uma dessas 300 descargas e afirmou que houve condições de excepcional complexidade que levaram a uma propagação rápida do incêndio — o tal fenómeno downburst, "ou seja, vento de grande intensidade que se move verticalmente em direcção ao solo, e que após atingir o solo sopra de forma radial em todas as direcções". [o PÚBLICO teve entretanto acesso ao relatório do IPMA, que mostra que há indícios fortes de que um downburst tornou o incêndio avassalador e que não caíram raios no sítio e à hora do início do incêndio de Pedrógão Grande].
Primeiras respostas
A Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC) dá conta de que o ataque ao incêndio, logo quando começou às 14h43, foi combatido por três veículos em triangulação e foi de imediato pedido um helicóptero, que começou a fazer descargas às 15h05. No período inicial, foram pedidos 75 operacionais e 22 meios (21 carros e o helicóptero). O helicóptero Kamov ficou operacional entre as 17h e as 19h, apesar de ter ido ao terreno antes. Diz a ANPC que "o total de meios accionados duas horas após alerta foi assim de 167 operacionais, 48 veículos e dois meios aéreos".
A Protecção Civil conta ainda que, tendo em conta "o ponto de situação desfavorável", foi pedida ajuda a essa hora a Santarém e a Castelo Branco, isto porque em Coimbra já tinha começado o incêndio de Góis. Aliás, no Parlamento, a própria ministra lembra que houve 156 incêndios no país nesse dia.
Comando operacional
O primeiro homem a assumir o cargo de comandante das operações de socorro (cos) foi o comandante dos bombeiros de Pedrógão Grande, Augusto Arnaut, logo assim que recebeu o alerta pelas 14h43. Liderou o combate inicial até às 17h08, quando é substituído pelo 2.º comandante operacional distrital (codis) de Leiria, Mário Cerol. A partir daqui, há um vazio na fita do tempo do comando de operações. Ao que o PÚBLICO apurou, por volta das 22h é o 2º comandante nacional (conac), Albino Tavares, a assumir o comando. Quando é substituído houve uma "desgraduação" no comando, passando este a ser assumido de novo por um codis, Elísio Oliveira, de Setúbal, e depois por Vaz Pinto, de Faro.
Comunicações
Bombeiros, ANPC e SGMAI confirmam que houve falhas de comunicações, mas as versões são diferentes. Se os bombeiros garantem que houve mesmo uma quebra de comunicações, o Governo falou em "intermitências". Mas, afinal, o que falhou no Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal (SIRESP)? A empresa privada que gere o SIRESP diz que o sistema "esteve à altura" da complexidade da situação. Nas respostas ao primeiro-ministro relata, no entanto, que nas horas críticas do incêndio (entre as 19h e as 9h de domingo) cinco antenas estiveram em "modo local", ou seja, só permitindo comunicações de curta distância e pela mesma estação, porque os cabos de fibra óptica foram destruídos. O resultado é que mais de dez mil chamadas entre operacionais falharam, sendo que um quarto das chamadas feitas através da antena operacional que estava mais perto do incêndio falhou nesse período de 14 horas.
Falta perceber qual o estado das comunicações nas horas mais críticas (entre as 19h e as 23h) e quais as consequências que houve por as comunicações não estarem 100% operacionais. Além disso, há discrepâncias sobre a operacionalidade das estações-móveis — uma estava em Espanha para reparação e outra numa garagem em Lisboa para revisão — e sobre quem devia ter pedido esse apoio mais cedo. A SGMAI diz que a ANPC deveria ter feito o pedido mais cedo, mas a ANPC diz que não foi informada pelo SIRESP. Também fica por perceber porque demorou tanto tempo a chegar à zona de Pedrógão e o porquê de só ter ficado operacional no domingo de manhã.
Frente política
Na frente política, pediram-se quase de imediato estudos e inquéritos (há oito diferentes encomendados a entidades do Estado e não só), a ministra foi ouvida em comissão parlamentar, houve um debate parlamentar sobre a tragédia e o Governo ainda teve tempo de ordenar a realização de um focus group para saber o impacto dos fogos na sua popularidade, noticiou o i.
Mas as respostas levarão algum tempo a chegar, nomeadamente a da Comissão Técnica Independente ontem aprovada em votação parlamentar. Proposta pelo PSD, esta comissão terá 12 peritos e só na próxima semana se começará a saber os seus nomes. Depois, há um prazo para investigar que pode chegar aos três meses.
Prejuízos
Os valores ainda estão a ser apurados, mas aos poucos vão sendo conhecidos alguns dados. Para já, sabe-se que arderam 500 habitações e 40 empresas tiveram prejuízos, o que irá deixar 350 pessoas no desemprego. Só na Agricultura, o ministro Capoulas Santos estima que tenha havido um prejuízo de 20 milhões. O presidente da Câmara de Pedrógão diz que os estragos podem atingir os 250 milhões de euros.