As vivências de Lura são o guião para a sua música

De quinta a sábado, a 14.ª edição do Festival Med apresenta um rico cardápio de músicas do mundo. Lura é uma das três vozes cabo-verdianas a marcar presença, apresentando-se depois no Festim.

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Lura DRO DANIEL ROCHA

Há três anos, Lura mudou-se para Cabo Verde. E aquela que tem sido, nos últimos 15 anos, uma das vozes mais vitais da música daquele país africano ganhou desde então uma outra profundidade. “Estive muitos anos a actuar pelo mundo, a falar sobre Cabo Verde e sobre as suas pessoas, mas nunca tinha vivido aqui”, diz em entrevista ao PÚBLICO, dias antes de passar pelo palco do Festival Med, em Loulé. Nascida em Lisboa em 1975, Lura cresceu rodeada pela comunidade cabo-verdiana na capital portuguesa, dizendo-se “marcada pelos grandes sucessos dos anos 80, como Bulimundo, Tubarões, a música que ouvia em casa quando tinha cinco anos”.

“Na altura era criança, aquela não era a minha música, mas era aquela que os meus pais punham a tocar e foi-me ficando nos ouvidos”, tal como ficaram os compositores daquele tempo, Kaka Barbosa, Katchás ou Zezé di nha Reinalda. Autores e um tempo que têm servido de matriz essencial para o percurso cantora e a que regressa no seu último álbum, Herança (2015), em especial no tema Ambienti más seletu. “É um tema que fala da evolução do funaná, de uma altura em que o funaná não podia ser tocado numa festa selecta, só podia ser tocado na rua. Só a morna é que podia ser tocada em ambientes selectos.”

É uma das muitas histórias sobre o país e a sua gente com que Lura foi crescendo, ouvindo contar a pais, amigos e músicos que ouvia à distância. As mesmas histórias que têm habitado os seus discos desde, sobretudo, Di Korpu ku Alma (2005). “Só que antes seguia a minha intuição e a perspectiva de quem vive fora. Viver aqui faz toda a diferença, tenho agora uma consciência muito mais clara desta sociedade, tenho de ter o cuidado de ser mais precisa sobre aquilo que falo. As coisas são mais reais.”

No que diz respeito a Maria di Lida, tema do seu último álbum que fala sobre a condição feminina em Cabo Verde e sobre a realidade de uma “mulher que acaba por ser muito sobrecarregada de tudo – tudo é responsabilidade da mulher, sempre que acontece alguma coisa é ela que trata” –, a sensação que Lura já tinha como absolutamente clara viu-a agora ser confirmada. Em Cabo Verde descobriu também a energia por detrás destas mulheres, como o caso que cita de “um mãe que vende fruta na rua, mas que tem um orgulho enorme de ter posto os três filhos na faculdade “.

“Essa força de vontade e essa noção do que é importante para a vida da sociedade” são revelações que, de forma tão natural quanto fatal, deverão deslizar para o conteúdo do próximo disco. Estes três anos de Lura em Cabo Verde, assume a cantora, terão um impacto evidente sobre os temas em que começa a trabalhar para o sucessor de Herança. Sem se deixar manietar por qualquer temática. “Essa coisa de criar um conceito e depois arranjar temas dentro do conceito foge-me um bocado das mãos, porque no meio do percurso acontecem outras coisas”, explica. “As minhas vivências acabam por ser um pouco o guião dos discos que vou editando.”

Nunca tendo sido exactamente uma intérprete da música tradicional local, Lura sempre se inspirou de forma clara na tradição dos sons das ilhas, em particular no funaná ou no batuco. Certo é que no seu concerto esta sexta-feira no Festival Med, e logo depois no Festim (13 de Julho em Águeda e 14 em Estarreja), não faltará Na ri na. Aquele que é o tema mais popular da carreira da cantora tem presença obrigatória, até porque, diz Lura, se não o tocar o público acha que o concerto ainda não acabou.

Lura é uma das três vozes cabo-verdianas a integrar o cartaz da 14ª edição do Festival Med, compondo uma forte representação nacional juntamente com Teté Alhinho e Mayra Andrade. Enquanto no caso de Lura o concerto terá um pendor mais acentuado no reportório de Herança, sem descurar os restantes álbuns e recuando até ao seu início com Nha vida, Teté Alhinho levará a palco na quinta-feira as suas Mornas ao Piano, disco que pôs fim a um longo afastamento dos estúdios. Já Mayra Andrade, depois de ter terminado oficialmente a digressão de Lovely Difficult, passa por Loulé no sábado, numa altura em que prepara a gravação do seu próximo longa-duração. Depois de um concerto esgotado no Jardim de Verão, na Gulbenkian, a cantora mostra um espectáculo que, nas últimas apresentações, passou também a incluir temas resultantes de algumas das suas colaborações com outros músicos.

E por falar em colaborações de Mayra, quem andará pelo Med também no sábado será Branko, homem dos Buraka Som Sistema que lançou, em 2016, o single Reserva para dois com a cantora cabo-verdiana. Em palco deverá estar o seu primeiro álbum a solo, Atlas. O Med decorre entre 29 de Junho e 1 Julho (com uma extensão de concertos gratuitos no dia 2), no centro histórico de Loulé, e conta com uma selecção de nomes fortes das músicas de todo o mundo. Na quinta, espaço para o fado de Ana Moura, o raï contemporâneo de Rachid Taha, o hip-hop de Akua Naru ou o highlife, o afrobeat e as rumbas da Orchestre Polyrythmo de Cotonou; na sexta, o transe de Salento pelo Canzoniere Grecanico Salentino, o rock-kuduro dos Throes and the Shine, o rap brasileiro de BNegão ou as canções de Rodrigo Leão; e no sábado, o frenesim balcânico da Fanfare Ciocarlia, a pop de origem persa de Niyaz ou o reggae de vistas largas dos Che Sudaka.

Como sempre, o Med faz-se não apenas de música, mas também de gastronomia mediterrânica, exposições, mostras de artesanato e animação de rua.

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