Especialistas defendem registo obrigatório de drones e dos seus proprietários
Só este ano há registo em Portugal de 11 incidentes com aeronaves não tripuladas. Presidente da associação dos pilotos alerta para risco. Problema tem “escala mundial”. Agência Europeia para a Segurança da Aviação está a trabalhar em regras a nível europeu.
Podem as aeronaves não tripuladas — vulgo drones — pôr em risco um avião comercial? “Os estudos sobre o impacto da colisão de drones em aeronaves ainda não estão concluídos”, adiantou ao PÚBLICO o presidente da Associação dos Pilotos Portugueses de Linha Aérea (APPLA). Mas “há um risco potencial sério de um desfecho catastrófico”, afirma Miguel Silveira.
O presidente da APPLA lembra que estão avaliadas as potenciais consequências de impactos externos, nomeadamente de colisão com aves. Mas as situações não são comparáveis, nota: os drones são construídos com materiais rígidos, de plástico ou de metal. E há ainda que ter em conta o risco das baterias de lítio, presentes neste tipo de equipamentos.
Miguel Silveira defende que, no imediato, há que impedir que “os drones entrem no espaço dos aviões”, apostando, entre outras medidas, no registo obrigatório dos proprietários deste tipo de equipamentos, que devem, eles próprios, conter elementos identificativos.
Este responsável considera ainda importante a divulgação das sanções aplicadas em caso de uso indevido de drones, que podem chegar aos 250 mil euros.
Desde o início do ano, foram noticiados em Portugal 11 incidentes relacionados com drones, que surgem quando aviões comerciais se aproximam dos aeroportos ou na fase final de aterragem. Sete deles foram reportados neste mês de Junho: cinco no aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, um no aeroporto Francisco Sá Carneiro, no Porto, e um no aeródromo de Tires, em Cascais, segundo a Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC). Pelo menos um já foi remetido ao Ministério Público, depois de feito o apuramento das circunstâncias e ouvidos os intervenientes.
O caso mais recente é de segunda-feira: um avião da Ryanair, com capacidade para 162 passageiros, cruzou-se com um drone a cerca de 500 metros de altitude, quando já estava na fase final de aproximação para aterrar no aeroporto de Lisboa.
O gabinete de imprensa da Procuradoria-Geral da República fez saber que factos deste tipo são “passíveis de integrar o crime de atentado à segurança de transporte por ar, água ou caminho de ferro”.
Mas que este crime “abrange uma multiplicidade de outras situações”, pelo que não é possível saber ao certo quantos inquéritos estão em curso relacionados especificamente com aeronaves não tripuladas que puseram em risco aviões comerciais.
Escala mundial
Uma fonte ligada à investigação de acidentes com aeronaves, contactada pelo PÚBLICO, admite que estes incidentes estejam a ser provocados por um número muito reduzido de pessoas, que gostam de ver os seus actos serem notícia.
Um outro especialista na área das infra-estruturas aeroportuárias diz que o aumento estará mais ligado ao facto de cada vez mais pessoas comprarem drones — o preço dos aparelhos está a baixar, estão a massificar-se.
“Não estamos a viver uma situação única”, garante o presidente da Associação de Aeronaves Não Tripuladas (AANT) Gonçalo Antunes Matias, que não consegue “arranjar uma explicação” para o aumento dos incidentes. “As explicações serão conhecidas após a divulgação do estudo iniciado pelo Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves (GPIAA).” Mas sublinha: “É necessário, desde já, garantir a fiscalização do regulamento existente porque há regras claras e simples”. Se forem seguidas, os drones “não são uma ameaça à aviação comercial ou civil”. O regulamento, aprovado em Dezembro de 2016, prevê, por exemplo, limites máximos de altura de voo — nunca acima dos 120 metros e, em algumas zonas próximas de aeroportos, sempre abaixo dos 30 ou dos 60 metros.
Segundo dados da Agência Europeia para a Segurança da Aviação (AESA), citados por um dos especialistas contactados pelo PÚBLICO, em 2015, no espaço aéreo europeu registaram-se menos de 600 ocorrências deste tipo, um valor que mais do que duplicou em 2016, com 1400 ocorrências.
A agência está, de resto, a trabalhar num futuro quadro regulamentar europeu, que se encontra em consulta pública desde Maio — decorre até 15 de Setembro. Uma das propostas em debate é que o utilizador de drones deva ser registado quando a aeronave pese mais de 250 gramas, explica Gonçalo Matias.
O piloto Miguel Silveira considera lamentável que as autoridades europeias, nomeadamente a AESA, estejam tão atrasadas na criação de medidas para resolver o problema, “que é grave e que está a surgir à escala mundial, com maior incidência nos países desenvolvidos”. As novas regras da AESA devem entrar em vigor em 2018.
Um dos especialistas contactados sugere a criação de um protocolo com as polícias para que, logo que um avião aviste um drone, estas procurem de imediato localizá-lo. Trata-se uma prática que já está instituída na Áustria, onde existem forças de especializadas nos aeroportos para a “caça aos drones”.
Paralelamente, seria útil o registo de todos os drones com um número de matrícula, diz a mesma fonte. Não é muito eficaz quando este se coloca demasiado próximo dos aviões, mas, no caso de ser encontrado, o registo ajuda a identificar o proprietário.
Outra abordagem possível para combater estas ocorrências é a geofencing que consiste em delimitar áreas que não podem ser sobrevoadas por drones. Podem ser aeroportos, mas também equipamentos militares, ou quaisquer zonas consideradas sensíveis do ponto de vista da segurança. Neste caso, os aparelhos têm integrado no seu próprio software um dispositivo que os impede de voar sobre esses locais.
Na sexta-feira, o presidente da ANAC vai ser ouvido no Parlamento sobre os incidentes registados nos últimos dias.
O regulador da aviação civil já admitiu, em resposta à Lusa, alterar o regulamento em vigor, mas diz que a aposta é na prevenção e sensibilização dos utilizadores de drones.