Macron tem caminho aberto para aprovar a procriação assistida para (quase) todos
Comité de ética francês deu parecer favorável ao acesso de casais de lésbicas e de mulheres solteiras a técnicas de fertilização clinicamente assistida.
O Comité Nacional Consultivo de Ética francês deu esta terça-feira parecer favorável ao acesso de casais de lésbicas e de mulheres solteiras a técnicas de procriação medicamente assistida (PMA), e concretamente a técnicas de doação de espermatozóides.
Este parecer dos especialistas de ética surge dois meses depois de o Presidente Emmanuel Macron ter prometido avançar com a legislação sobre assunto, e porque a maioria dos franceses - cerca de 60% - dizem ser favoráveis à PMA nestas condições. Apesar de ser favorável à aplicação da medida, o líder gaulês decidiu esperar para saber qual seria a opinião do comité que delibera sobre assuntos que impliquem vastas mudanças sociais tornadas possíveis pelo progresso das técnicas de fertilidade.
Desta forma, o caminho está aberto para que Macron introduza a maior reforma sobre os direitos da comunidade gay desde a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo em 2013.
O deputado do República em Marcha Olivier Véran, que aconselhou Macron durante a campanha sobre questões de Saúde, saudou este parecer. "Foi ultrapassada uma etapa. Temos já elementos suficientes para ir mais longe, e congratulo-me por isso. Mas é demasiado cedo para dizer quais as intenções do primeiro-ministro e do Presidente", afirmou, citado pelo Le Monde.
Emmanuel Macron prometeu seguir o parecer do Comité de Ética, mas disse que queria "evitar os erros do passado, e construir o consenso mais alargado possível". Este tema, e o do casamento para todos - que garantiu aos casais homossexuais os mesmos direitos que aos casais heterossexuais - atribuído durante a governação de François Hollande gerou um enorme movimento de contestação em França em 2013, liderado por movimentos católicos integristas.
Ludovine de la Rochère, a presidente da Manif por Todos, assim se baptizou este movimento contestatário, avisou já Macron que reabrir este dossier "seria um erro" e "dividiria" os franceses. "A PMA sem pai é um desvio da medicina, que vai para além do humano e ignora os direitos da criança", disse Rochère à AFP.
A procriação medicamente assistida em França é até à data apenas acessível a casais heterossexuais que sofram de infertilidade, sendo que a maioria ou a totalidade das despesas ficam a cargo dos fundos públicos de saúde. Por isso mesmo, e ao longo dos últimos anos, calcula-se que milhares de mulheres lésbicas ou celibatárias saíram de França para recorrer a este tipo de técnicas, em países onde podem ser fertilizadas, como Espanha ou Bélgica, diz o Libération.
Outro dos aspectos que tem motivado debate em França é o caso das mães de substituição. Como lembra o Figaro, as “barrigas de aluguer” foram proibidas em 1994, altura em que foram publicadas as primeiras leis de bioética. O assunto foi também alvo de uma análise por parte do comité de ética, em 2010, sendo que os membros do painel discordaram da sua legalização, evocando o risco de mercantilização do corpo humano e do possível desrespeito em relação à “mãe de substituição”. Por seu lado, em 2008, um relatório do Senado gaulês defendeu a legalização da maternidade de substituição "altruísta" - quando a mulher aceita tornar-se "barriga de aluguer" sem qualquer contrapartida financeira.
Durante a campanha, Emmanuel Macron afirmou que não é a favor da legalização das “barrigas de aluguer”, argumentando que isto põe em causa “a dignidade do corpo da mulher”. Mas prometeu trabalhar sobre o assunto, nomeadamente em relação ao reconhecimento do Estado francês de crianças nascidas através desta técnica no estrangeiro. Este aspecto tinha sido já alvo de debate durante o mandato de François Hollande.