“É preciso matar a democracia nacional para ter uma democracia europeia”
O escritor austríaco Robert Menasse começou por desconfiar da Europa e criticar o seu défice democrático, mas depois de a investigar, foi conquistado. No entanto, para funcionar, teria de ser diferente, defende: uma Europa sem nações.
Robert Menasse quis escrever um romance sobre a Europa e foi viver para Bruxelas. Como um etnógrafo, o escritor austríaco aproximou-se desse grupo desconhecido, o funcionário europeu. E o que aconteceu deixou-o surpreendido: gostou dos funcionários europeus. Viu uma Europa que funcionava bem, mas que tinha um grande problema: as democracias nacionais. Escreveu um ensaio, Mensageiro Europeu (2012), em que defende que as democracias nacionais estão a impedir a democracia europeia. Critica os políticos que gerem actualmente a UE por não terem ideia do que queriam os seus fundadores, e defende que é necessário voltar à ideia-base: uma Europa pós-nacional, com base em regiões.
Robert Menasse está esta quarta-feira, 28 de Junho, às 19h, num debate com o presidente do Instituto Europeu da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Eduardo Paz Ferreira, no Goethe Institut em Lisboa.
Começou por ver a ideia da Europa com ambivalência. O que o fez mudar de opinião?
Sempre gostei da ideia de unidade europeia, mas criticava o défice democrático. Achava que tínhamos de defender a democracia nacional enquanto a europeia não se desenvolvia. Estava enganado.
Depois de pesquisar mais, percebi que a democracia europeia não funciona precisamente por causa das democracias nacionais, que estão a defender a sua própria existência. E cheguei a um ponto em que acho que é preciso matar a democracia nacional para desenvolver a democracia europeia.
Temos um mercado comum, moeda comum, a única coisa que falta é a democracia comum e os cidadãos terem os meus direitos e as mesmas leis.
No seu ensaio critica a competição dos países, a fuga de empresas para países com sistemas fiscais mais favoráveis, por exemplo…
Pagamos impostos diferentes mas as coisas custam a mesma coisa. Faz diferença ser um cidadão em Malta ou na Alemanha?
Quando pesquisei ideias da geração fundadora, tive uma grande surpresa ao ver que eles sonharam com uma Europa sem nações. Porque a sua experiência eram as duas guerras. Para evitar isso no futuro, tem de se superar o nacionalismo e as nações.
Publicou o seu livro em 2012. Entretanto houve algumas mudanças na UE?
Não muitas. Mas a crise tornou-se maior, e quanto maior é, maior a hipótese de reagir. E o “Brexit”, que vai ajudar a política europeia por dois motivos – um dos obstrutores está fora e os outros têm um exemplo do tipo de danos que podem sofrer.
Com o "Brexit" e a eleição de Trump há quem fale de um clima de apoio à ideia europeia, a “EUphoria”…
Mas a contradição básica da União mantém-se: as elites políticas que têm de fazer a política europeia têm ao mesmo tempo de defender a ficção de interesses nacionais, e a sua reeleição em casa. É isto que produz todas as crises.
No caso da dívida interna – da Grécia, ou Portugal, ou Irlanda. Temos mercado comum, moeda, mas as contas são nacionais – é uma enorme contradição. A dívida grega é 0,2% do produto do mercado europeu. Se há problema ou não depende dos óculos que usamos. Com os nacionais, há um problema. Com os europeus, não há problema nenhum. Só temos de descobrir um modo de operar em conjunto.
Tem apresentado esta ideia em vários países. Qual é a reacção?
Depende da idade. Participei agora numa cerimónia do prémio Carlos Magno, em Aachen [Alemanha]. Depois do debate, os mais velhos evitaram-me, os mais jovens quiseram falar comigo. A esta geração, a geração Erasmus, não é preciso explicar o conceito da Europa. Nasceram em Berlim, estudaram em Madrid, fizeram uma pós-graduação em Londres ou Viena, apaixonaram-se por uma irlandesa que conheceram em Lisboa…
Já nasceram um milhão de bebés de casais que se conheceram no Erasmus. Mas aqui está outro problema: o que acontece a um casal em que ele é checo, ela é irlandesa, vivem em Madrid, e têm um filho? Que lei se aplica? E em caso de separação, etc? Esta questão tem de ser resolvida.
Apresenta a geração no poder como a 4ª geração dos Buddenbrook, de Thomas Mann – a geração que deita tudo a perder. E a próxima, a geração Erasmus, ou Easy Jet, é a que vai salvar a Europa?
A geração que está no poder hoje já não percebe a ideia básica. Só conhece a Europa como está, e esqueceu, ou nunca ouviu falar, da ideia básica. Não tem a fantasia do que poderia ser o futuro.
A única coisa que sabem é que são reeleitos na sua nação. Sentem-se obrigados a prometer aos seus eleitores que defenderão a nação. E isso é o início do renascimento do nacionalismo que vivemos hoje, e que não é fruto de populistas de direita, vem do centro da política.
Enquanto as decisões políticas forem tomadas por políticos nacionais e não por representantes europeus eleitos pelos cidadãos europeus, esta contradição vai causar sempre novos problemas.
Mas como superar o medo da autoridade supranacional, por um lado, e dos poderes regionais, em que defende que assentaria a nova Europa, por outro?
A ameaça vem do Estado nacional. A identidade regional não é uma ficção; a nação é: existe no desporto – a selecção nacional – e no mapa da meteorologia.
As regiões têm a sua história, cultura, agricultura, e não são agressivas. Uma nação vai tentando ganhar mais território, uma região não. Os bascos não têm interesse em território onde não vivem bascos.
E as regiões são, por regra, tão pequenas que só funcionam em rede, com trocas. Ao contrário das nações, que podem ter a ideia de que conseguem fazer tudo sozinhas.
Mas as regiões também podem ser egoístas. Podem querer um aeroporto (que depois fica vazio; aconteceu tanto em Portugal como na Alemanha), ou outra infra-estrutura de que não precisam. Isto não pode ser um problema?
Não consigo ver este perigo. Não é preciso ter todas as infra-estruturas em todas as regiões. Por exemplo, na energia. Enquanto há nações, cada uma acha que precisa de ter uma mistura completa, nuclear, barragens, eólica. Uma política europeia poria eólica onde há vento, no norte, solar onde há sol, no sul, etc, e depois a energia seria partilhada. Mas enquanto acharem todos que têm de ter tudo, olham para o lado com ciúmes, e é ineficaz, caro e pouco democrático.
Este modelo também assenta numa sociedade civil forte, que não existe em todos os países europeus. Como superar esta dificuldade?
Não sei. Mas acredito que quanto mais a Europa se desenvolve e aproxima, se for organizada em regiões, mais conduz a uma sociedade civil mais activa.
Quando apresenta a ideia, que curiosidade gostaria de ver em relação a este assunto?
Será que vamos viver uma República Europeia? Não sei, não interessa. O caminho é o interessante. Cada passo nos dá mais hipóteses. Nunca vamos chegar ao paraíso porque seria o fim da história.
O que temo é que a Europa se vá desintegrar. A defesa das nações é tão grande, e o nacionalismo está de novo a crescer. Mas caso isso aconteça, as pessoas vão olhar para os escombros e vão dizer: “isto nunca mais deve acontecer” [o que se disse após o Holocausto]. E aí vai-se construir-se algo novo.