Há um coro de pequenos cantores a nascer na Casa da Música
Em três escolas básicas da Área Metropolitana do Porto, a música ganhou lugar de destaque. Cinquenta crianças vão formar o coro infantil da Casa da Música, que será apresentado a 1 de Outubro.
Na Escola Básica de Quatro Caminhos, em Matosinhos, todas as semanas há uma aula onde os alunos não estão sentados, em silêncio, a ler ou a escrever. Na sala está apenas um piano e um círculo formado por crianças que, tímidas no início, vão soltando as notas das canções que têm vindo a aprender em conjunto.
Ao longo deste ano lectivo, seis formadores da Casa da Música trabalharam com alunos de três escolas públicas do 1.º ciclo - EB1 de Quatro Caminhos, em Matosinhos, EB1 Quinta das Chãs, em Vila Nova de Gaia e EB1 da Lomba, no Porto - em sessões semanais de uma hora. Das cerca de 300 crianças envolvidas, 50 foram convidadas a integrar o Coro Infantil da Casa da Música, que tem como objectivo fomentar a prática musical e coral nos alunos e dar à instituição um novo projecto de referência que possa acompanhar as formações já existentes em concertos corais sinfónicos.
Na escola de Matosinhos, os dois formadores, Joana Araújo e Duarte Cardoso, já escolheram os pequenos cantores que vão fazer parte do projecto, mas a decisão não foi fácil. Houve vários aspectos a ter em conta, como “a projecção da voz e a capacidade de afinação, mas também o comportamento e a forma de estar das crianças”. Durante todo o processo ninguém soube que poderia ser seleccionado, nem os formadores mostraram ter preferência por determinadas vozes. O importante, dizem, é levar a música aos mais pequenos.
Os desafios surgiram logo no primeiro dia de ensaios: “Foi na primeira sessão que nos deparamos com o tempo e com o espaço que tínhamos. De repente, vimos um grupo enorme numa sala muito pequena e surgiram-nos logo uma série de questões sobre como iríamos tratar disto”, explica Joana Araújo. E foram resolvendo os desafios, criando estratégias e adaptando-se às crianças.
Mais do que técnica vocal
Com o passar do tempo, os alunos ganharam uma postura diferente, além da evolução a nível vocal: “O saber estar, o saber ouvir e o saber responder. Eles aprenderam a reagir a sinais, colectivamente, a gestos e também aprenderam a associar o movimento com a voz”, diz Joana, que várias vezes teve de trabalhar com cerca de 50 alunos no mesmo espaço. Agora, as crianças têm uma rotina definida, onde respeitam determinados “rituais de entrada, de saída e canções de começo”. Tudo isto exigiu uma grande eficácia, conclui a formadora.
Os sonhos e ambições dos alunos também se reflectem nesta experiência. Beatriz está no 4.º ano e sonha um dia ser cantora. Já actuou na Casa da Música, na altura em que todas as crianças das três escolas se apresentaram. No início estava “envergonhada”, mas depois a timidez foi desaparecendo e o "bichinho" da música falou mais alto. No final das aulas, conta Beatriz, é frequente os alunos treinarem algumas canções antes de seguirem para o ensaio.
Se para Joana e Duarte o processo tem sido desafiante e de constante aprendizagem, para as crianças os formadores já são como família. “Eles têm uma coisa especial, preocupam-se connosco e também temos momentos divertidos”, conta Beatriz.
A novidade do projecto e o peso por ser a Casa da Música são características que, para Joana Araújo, atraem as crianças, sublinhando que são recebidos todas as semanas “como o que é diferente, o que é novo e o que é fresco”. A responsabilidade de trabalhar neste projecto, segundo Duarte Cardoso, é a mesma do que “com outros agrupamentos residentes da Casa da Música”.
A música como libertação
Em Vila Nova de Gaia, o pavilhão da Escola Básica da Quinta das Chãs também foi local de ensaios. As paredes, repletas de desenhos coloridos, receberam a música de 100 crianças todas as quartas-feiras.
No último ensaio do ano lectivo, o ambiente foi de descontração e brincadeira, mas nunca de despedida: “Espero que tenham gostado de cantar no coro e que continuem a cantar nas férias”, disse às crianças Raquel Couto, uma das formadoras de voz.
Entre as músicas trabalhadas estão canções africanas, portuguesas e até uma da Dinamarca. O objectivo passou por “utilizar um repertório que tornasse possível trabalhar mais as vozes”, acrescenta a formadora.
Para Gonçalo Vasquez, o pianista que acompanhou Raquel, estes ensaios foram uma libertação para as crianças. Era só chegar e cantar: “Isto para eles não é uma aula normal, é uma coisa fora do trabalho em que as professoras estão aqui sentadas mas não estão envolvidas no processo.”
O formador admite que ficou surpreendido com “o profissionalismo e a rapidez de aprendizagem dos alunos”, pois no início tinham crianças que não estavam habituadas a cantar e algumas vozes “muito cruas” que se foram desenvolvendo ao longo dos ensaios.
Também Raquel considera que os resultados têm sido visíveis: “A música faz bem a toda a gente, traz mais calma, mais sensibilidade, à vida em si e também as professoras têm notado isso, mais capacidade de memória por causa do trabalho das letras, da leitura. Há uma evolução completa.”
Anabela Ferreira Domingues, professora do 3.º ano fala no projecto como uma forma positiva de preencher a lacuna da falta de formação musical na escola. “É óptimo para eles, porque conseguem desenvolver outras competências que eu não conseguiria”, sublinha, acrescentando que seria importante todas as escolas terem um projecto desta natureza.
Num grupo com cerca de 20 crianças está Inês, aluna do 3.º ano. Apesar de não querer seguir música no futuro, confessa que as canções que aprendeu estão presentes em todos os momentos: “Até quando estou a fazer os trabalhos de casa as canto na minha cabeça.”
Os ensaios decorreram também na Escola Básica da Lomba, no Porto, com os formadores Joana Leite Castro e Ivo Brandão. As vozes do Coro Infantil da Casa da Música vão ser apresentadas no dia 1 de Outubro, Dia Mundial da Música, ao lado da Orquestra Sinfónica do Porto. Ainda antes da apresentação, os pequenos coralistas vão trabalhar juntos durante três dias em Julho, numa formação musical e de técnica vocal.
Apesar de haver uma selecção, o projecto vai ter continuidade nas três escolas. “Nós não somos passageiros que passamos por cá, recrutamos crianças e desaparecemos. Esta prática coral vai manter-se na escola e isso é o primeiro ponto que faz toda a diferença em qualquer trabalho de selecção”, conclui Joana Araújo.
Texto editado por Ana Fernandes