Mais de três mil quilómetros entre a serra, o barrocal e a costa
Um dos núcleos da exposição é dedicado à população local e ao seu papel na descoberta e na salvaguarda do património arqueológico.
Entre eles há quem seja modelo sénior, sempre de sorriso pronto como quem está prestes a posar para mais um catálogo; há um belga e uma italiana que têm as paredes encostadas à muralha de taipa de um castelo, uma portuguesa que cozinhou para a equipa da arqueóloga Helena Catarino nos anos 1980 e um inglês que permitiu que lhe entrassem em casa e ali ficassem a escavar durante um ano.
Entre eles está Maria Bárbara Gonçalves, de 84 anos, proprietária de um terreno onde, em 2008, os arqueólogos identificaram uma estela com escrita do Sudoeste – língua do Sudoeste hispânico que continua por decifrar – junto a uma ribeira. Uma pedra “que não se dava conta de ler”, dizia ela, e que hoje faz parte da colecção do Museu Municipal de Loulé.
Pedro Barros, arqueólogo da DGPC e autor das 32 fotografias que encontramos no último núcleo da exposição, o das identidades, conhece-os a todos. Esteve no terreno cerca de um mês a trabalhar para a exposição do Museu Nacional de Arqueologia (MNA) e fez mais de três mil quilómetros entre a serra, o barrocal e a costa, falando com proprietários de terrenos com sítios arqueológicos – havia cerca de 140 referenciados no concelho de Loulé e Barros acrescentou mais dez a essa lista – e com pessoas que encontraram peças e as levaram para casa ou entregaram a museus.
Graças a este trabalho de campo, aliás, o museu de Loulé recebeu 200 novas peças, diz António Carvalho, director do MNA, e estão hoje identificadas 11 pessoas que em vários momentos doaram artefactos para que fossem salvaguardados, estudados e depois mostrados ao público, como agora (estão também outras seis que preferiram ficar com o que tinham encontrado).
“Esta exposição é um reencontro de Loulé com o seu património disperso”, defende Pedro Barros, “e é por isso que é tão importante mostrar a cara de uma série de pessoas que não tinham nada a ver com a arqueologia e com o património e que tornaram possível o trabalho dos investigadores”.
O acaso teve um papel importante no terreno, explica este arqueólogo que chegou a encontrar um sítio islâmico quando andava à procura de uma necrópole da Idade do Bronze. “Às vezes a pessoa sabe que tem uma pedra diferente nas suas terras desde criança, outras que aparecem cacos quando trabalha os campos… Mas daí até concluir que aquilo que tem na mão pode ser importante vai um salto muito grande.” E é “uma sorte” quando o arqueólogo acha o dono de um sítio, coisa que às vezes só se descobre depois de muito tempo à conversa.