ERC abre processo de averiguações sobre reportagem da TVI em Pedrógão

Mais de uma centena de participações chegaram este domingo e segunda-feira à ERC condenando a reportagem de Judite Sousa no incêndio de Pedrógão Grande.

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Daniel Rocha/Arquivo

A  Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) anunciou esta segunda-feira a abertura de um procedimento de averiguações a uma reportagem emitida no Jornal das 8 da TVI, sobre os incêndios em Pedrogão Grande, durante a noite deste domingo. A decisão foi tomada durante esta manhã pelo Conselho Regulador da ERC.

"Consciente do estado de choque em que o país se encontra", o órgão regulador vinca a sua solidariedade com a sociedade portuguesa "e espera que a comunicação social seja de uma sensibilidade profissional a toda a prova, neste momento de luto nacional", sublinha no comunicado.

O documento esclarece ainda que "chegaram à ERC mais de 100 participações que contestam o plano televisivo em que aparece um dos cadáveres da tragédia, na referida reportagem". A referida reportagem foi conduzida pela jornalista e directora-adjunta de Informação da TVI, Judite Sousa, confirmou ao PÚBLICO o vice-presidente da ERC, Alberto Arons de Carvalho.

O acompanhamento feito pela jornalista junto a uma das vítimas mortais chocou os telespectadores e causou revolta, gerando uma onda de críticas à estação televisiva. De acordo com Arons de Carvalho, as queixas, que já ultrapassaram uma centena, continuam a chegar à ERC.

A opção de abrir o processo de averiguações “permite uma deliberação mais rápida e eficiente”, uma vez que representa uma alternativa a uma análise queixa a queixa, esclarece o vice-presidente da ERC.

E que cenários podem resultar deste procedimento? Arons de Carvalha desenha algumas possibilidades. Desde “levar publicamente o procedimento à TVI” até, em situações mais graves, obrigar o órgão de comunicação a “a divulgar publicamente a parte conclusiva da deliberação da ERC”, uma situação que “não é muito frequente”, antecipa o responsável. Além disso, existe também a possibilidade de “considerar que entra no domínio do aceitável” e arquivar a queixa. 

O PÚBLICO tentou contactar a jornalista Judite Sousa e o director de Informação da TVI, Sérgio Figueiredo, e não obteve resposta. À N-TV, a jornalista recusou fazer comentários.

Horas antes, o Sindicato dos Jornalistas tinha já apelado aos meios de comunicação para que fizessem uma cobertura sóbria dos incêndios, condenando o sensacionalismo de alguns meios, sem especificar casos concretos.

O Sindicato dos Jornalistas lembrou alguns pontos do Código Deontológico dos Jornalistas, como a necessidade de "atender às condições de serenidade, liberdade e responsabilidade das pessoas envolvidas" nos acontecimentos relatados pelos profissionais. 

No mesmo comunicado, o sindicato apelava à acção de órgãos reguladores, como a ERC e a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, "a agirem" perante os casos de cobertura noticiosa "que não cumpram as regras deontológicas". A reacção chegou momentos depois.

TVI “não recebe lições de ninguém”

Num comunicado divulgado nesta segunda-feira à noite, a direcção de informação da TVI considera “perfeitamente normal e inquestionável” o processo de averiguações aberto pela ERC. No entanto, sublinha que “não se entende” que esse processo se concentre numa única reportagem, o que “carece de uma explicação por parte do regulador”.

“Porquê a TVI? Porquê só a TVI? E o que de especial havia nessa reportagem que motiva a ERC justificar-se com uma sintonia ‘com a sociedade portuguesa’ que nunca ninguém viu? Ou de ensaiar julgamentos morais com critérios que não são explicados mas que, no entender dos conselheiros, serão suficientes para calibrar o que os próprios consideram ser ‘uma sensibilidade profissional a toda a prova’”, questiona a direcção de informação.

A equipa liderada por Sérgio Figueiredo diz que “não recebe lições de ninguém sobre sensibilidades profissionais”. “Nem do regulador, que se deve limitar ao cumprimento do seu dever e da missão que lhe foi fixada pelas leis da República”, lê-se na mesma nota.

“A informação da TVI faz jornalismo. Apura factos, vai para o terreno, procura proximidade com os portugueses – e tem-no feito com sucesso, porque recolhe há anos consecutivos, mês após mês, a preferência da maioria dos cidadãos”, enfatiza a direcção de informação da estação de Queluz de Baixo. “Este sim, um indicador objectivo que valida a sintonia com a sociedade portuguesa que, sabe-se lá como e porquê, a ERC reivindica para si.”

O comunicado acrescenta que “há órgãos de comunicação social que decidiram revelar as fotos de crianças que morreram nos incêndios. Outras televisões abriram os seus principais serviços noticiosos mostrando corpos espalhados no chão”. “Não têm sido essas as nossas opções editoriais. Conscientemente, a TVI tem procurado respeitar a dor de quem sofre, sem a esconder”, continua. Pelo contrário, acusa a direcção de informação da TVI, a ERC “esconde-se” ao não especificar qual a reportagem que será alvo do processo de averiguações.

Admitindo que se trata da reportagem feita por Judite de Sousa, que integra a direcção da TVI como directora-adjunta, a equipa de Sérgio Figueiredo lembra que esse “live on tape” foi realizado numa aldeia a que os bombeiros não tinham chegado.

“Num desses locais, estava efectivamente um cadáver, estendido há muitas horas e tapado com um lençol branco – a pior das metáforas da incapacidade da assistência civil atender todas as populações que foram implacavelmente atacadas pelas chamas. Esta circunstância confere um evidente relevo informativo, que não compete ao regulador definir”, frisa-se na nota, que termina com uma correcção à ERC: o Jornal Nacional deu lugar, em 2009, ao Jornal das 8.

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