Uma em cada 113 pessoas do mundo está deslocada, refugiada ou é candidata a asilo
Nunca houve tanta gente a precisar de protecção no mundo (65,6 milhões), mostra relatório anual do Alto Comissariado da ONU para os Refugiados.
No ano passado, a cada três segundos, uma pessoa foi obrigada a fugir de casa ou abandonar o seu lugar de origem para escapar à pobreza ou à guerra, por força de perseguições políticas, violações dos direitos humanos ou violência religiosa e sectária. O total de refugiados no mundo atingiu um novo recorde de 65,6 milhões de pessoas, um número sem precedentes e “inaceitável sob qualquer ponto de vista”, segundo o alto comissário das Nações Unidas para os Refugiados, Filippo Grandi, para quem a comunidade internacional devia tratar o assunto com “determinação e coragem”, ao invés de “medo”.
São 40,3 milhões de deslocados internos, mais 22,5 milhões de refugiados e ainda 2,8 milhões de candidatos a asilo, provenientes dos quatro cantos do planeta e actualmente a residir em campos ou centros de acolhimento provisórios e precários – tantos quanto a população de países como o Reino Unido ou a França, que na lista dos mais populosos do mundo ocupam a 21.ª e 22.ª posição, respectivamente. Desde a fundação daquela agência da ONU nos anos de 1950, nunca houve tanta gente a cruzar fronteiras em busca de refúgio e protecção: hoje em dia, uma em cada 113 pessoas do mundo enquadra-se numa das categorias de deslocada, refugiada ou candidata a asilo.
A guerra civil na Síria, que desde 2011 já fez mais de 500 mil mortos, continua a ser responsável pelo maior número de refugiados (5,5 milhões) e deslocados (6,3 milhões) do mundo. A guerra obrigou à fuga, para dentro ou para fora, de mais de metade da população do país – que agora está distribuída pela Turquia, a Jordânia ou o Líbano, que acolheu cerca de um milhão de refugiados entre os seus 4,2 milhões de habitantes.
Outros dois países, afectados por violentos conflitos, têm populações de refugiados superiores a quatro milhões de pessoas: o Afeganistão (com 4,7 milhões), e o Iraque (4,2 milhões). Ainda assim, esse número fica abaixo dos 5,3 milhões de refugiados palestinianos. Um único país, a Colômbia, responde pela maior população de deslocados internos, 7,7 milhões de pessoas, que foram abandonando os seus lugares de origem ao longo dos 50 anos de conflito entre o Governo de Bogotá e as guerrilhas marxistas das FARC e ELN.
Em África, o principal foco de instabilidade – e de êxodo populacional – ocorreu com o colapso dos esforços de paz no Sudão do Sul. Em 2016, foi dali que saiu a maior parcela de refugiados de todo o mundo, 737 mil pessoas, a maior parte das quais cruzaram a fronteira em busca de refúgio no vizinho Uganda. A hospitalidade do Governo de Kampala transformou a aldeia de Bidi Bidi num dos maiores campos de refugiados do mundo, com cerca de 250 quilómetros quadrados e mais de 250 mil pessoas – todos os que chegam têm direito a uma parcela de terreno e aos materiais necessários para cultivar a terra. O conflito no Sudão do Sul já fez 3,3 milhões de refugiados.
“O mundo parece que ficou incapaz de estabelecer a paz. E assim vemos que velhos conflitos não são resolvidos, enquanto novos focos de conflito rebentam para produzir ainda mais refugiados. Este movimento de deslocação forçada é o símbolo de um estado de guerra que nunca acaba”, lamentou Filippo Grandi. Para o alto comissário, esse é um contexto que exige aos líderes internacionais um maior investimento da promoção da paz e na reconstrução dos países devastados, além, naturalmente, de uma maior abertura no acolhimento de refugiados dentro das suas fronteiras.
A grande maioria destas populações provenientes de Estados falhados ou em guerra, está a ser recebida em países vizinhos onde as dificuldades são em muitos semelhantes: pobreza, tensões sectárias, etc. De acordo com o relatório anual do ACNUR, divulgado esta segunda-feira, os países em desenvolvimento abrigam 84% dos refugiados do mundo. “Não vejo como podemos pedir aos países com menos recursos, em África, no Médio Oriente e na Ásia, que aceitem receber milhões de refugiados quando os países ricos se recusam a fazê-lo”, criticou Grandi.
Apesar dos números dramáticos, o ritmo de deslocações abrandou ligeiramente em 2016 face ao ano anterior. E no ano passado também se assistiu a um maior movimento de regresso ao local de origem, ou realojamento num país terceiro: 6,5 milhões de deslocados internos voltaram às suas casas, meio milhão de refugiados regressaram aos seus países e cerca de 190 mil candidatos a asilo foram reinstalados em 37 países.