Os assuntos públicos por resolver nas secretas

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Manuel Costa Andrade foi muito citado no acórdão que chumbou os metadados. Agora pode ter que decidir sobre eles SERGIO AZENHA

Em tempos de ameaças externas e terrorismo, as funções dos serviços de informações são ainda mais determinantes. Mas as secretas portuguesas, sempre tão dadas a polémicas, têm neste momentos assuntos pendentes que podem pôr em causa o seu funcionamento. A começar pelas cúpulas e modo de funcionamento.

1. Permitir o acesso aos “metadados”

É a segunda vez que o Parlamento tenta colocar na lei a possibilidade de acesso dos serviços de informações aos chamados metadados -  dados de tráfego (e outros) de comunicações electrónicas. Os governos são diferentes, as propostas também, mas as votações nem por isso: a favor têm estado PSD, PS e CDS-PP; enquanto PCP, BE e Os Verdes estão contra.

Agora, tal como em 2015, pode estar em causa a constitucionalidade das formulações legais, ainda que a proposta apresentada pelo Governo PS seja muito mais cautelosa do que o texto aprovado com base na proposta do Governo PSD/CDS-PP. O BE já pediu ao Presidente da República que, quando o diploma chegar às suas mãos, faça o que fez Cavaco Silva e peça a fiscalização preventiva ao Tribunal Constitucional.

Há dois anos, o âmbito do diploma aprovado era muito mais vasto: pretendia permitir ao SIS e ao SIED o acesso a informação bancária e fiscal, a dados de tráfego, de localização ou outros dados conexos das comunicações. O objectivo era “identificar o assinante ou utilizador ou para encontrar e identificar a fonte, o destino, a data, a hora, a duração e o tipo de comunicação, bem como identificar o equipamento de telecomunicações ou a sua localização”, sempre que esses dados fossem considerados “necessários, adequados ou proporcionais” para o cumprimento das atribuições legais dos serviços de informações. Para tal, bastava “a autorização prévia e obrigatória da Comissão de Controlo Prévio, na sequência de pedido devidamente fundamentado”.

Um âmbito demasiado vasto delimitado por um organismo demasiado vago, que levou o Tribunal Constitucional a considerar tratar-se de uma “ingerência gravosa das autoridades públicas nas comunicações”, considerada como vida privada, proibida pela lei fundamental. As excepções previstas na Constituição dizem apenas respeito à investigação de determinados crimes – já consumados, não à sua prevenção – e as restrições aos direitos fundamentais só podem existir no âmbito do processo penal. Ora, os serviços de informações não são agentes judiciários e a Comissão de Controlo Prévio, embora composta por juízes, não foi considerado um órgão judicial, mas administrativo.

São estas reservas que agora o PS tenta contornar com a sua proposta de lei, agora em discussão na especialidade, a par de uma proposta do CDS-PP. Ambos optaram por uma via de judicialização no processo de autorização prévia e controlo judicial. O governo indica que estes cabem a “uma formação das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça, constituída pelos presidentes das secções e por um juiz designado pelo Conselho Superior da Magistratura, de entre os mais antigos destas secções”. Uma formulação que pode não ser suficiente para convencer os juízes do Palácio Ratton, agora presididos pelo penalista Costa Andrade, um dos mais citados no acórdão que “chumbou” a lei de 2015.

2. Encontrar um nome pacífico para secretário-geral

A designação do secretário-geral dos Serviços de Informações da República Portuguesa (SIRP) é uma competência absoluta do primeiro-ministro, perante quem o chefe das secretas responde exclusivamente. Mas esta formulação esconde uma tarefa mais difícil do que parece. Trata-se de uma das funções mais sensíveis do Estado, o que exige um passado à prova de bala, como ainda agora se viu. António Costa tinha escolhido o substituto de Júlio Pereira há meses, consensualizado com o líder da oposição, mas acabou por ter de “aceitar a sua desistência” após vários dias de polémica. Do armário do embaixador indigitado José Júlio Pereira Gomes saíram, pelas mãos da eurodeputada Ana Gomes e dois jornalistas, esqueletos relativos à sua actuação em Timor Leste em 1999, quando chefiou a missão de observadores portugueses. Agora, Costa terá de encontrar um substituto com rapidez, já que o titular no cargo há 12 anos não está disposto a ficar muito mais tempo.

3. Eleger o presidente do Conselho de Fiscalização

No mesmo dia em que Pereira Gomes desistiu do cargo, o nome de Teresa Morais (PSD) para a presidência do Conselho de Fiscalização do SIRP não obteve os votos necessários no Parlamento para a sua eleição. Ao contrário do secretário-geral, os três membros do Conselho de Fiscalização do SIRP são eleitos por voto secreto e exige-se o "sim" de dois terços dos deputados. Terá sido uma coincidência, pois o PS já tinha dito que não votaria este nome. Mas ela permite agora uma negociação entre PS e PSD sobre os dois protagonistas, o que poderá atrasar o processo.

4. Avançar com a fusão das secretas?

É uma discussão antiga, que tem sido rejeitada pelo PS, mas repetidamente colocada em cima da mesa. A última vez foi o próprio Conselho de Fiscalização que propôs a fusão da secreta civil (SIS) com a militar (SIED), no relatório anual entregue ao Parlamento, no início do ano. A fundamentação usada é a mesma utilizada no último parecer: “Ponderação dos custos e benefícios da prossecução da evolução iniciada com a criação de estruturas comuns e a instituição de um secretário-geral do Sistema de Informações, no sentido de uma eventual fusão do SIS e do SIED”. A discussão ainda vai no adro.

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