“Ninguém esteve distraído”
Laboratório do Estado sublinha a urgência de se aumentar o conhecimento, porque é ele que sustenta uma boa tomada de decisão.
Porque é que se aprova a construção de uma barragem em cima de filões de elevado potencial para futura extracção de lítio? “Ninguém esteve distraído”, limita-se a comentar, a pedido do PÚBLICO, o vice-presidente do Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG), Machado Leite.
O LNEG é o organismo que sucedeu ao antigo instituto geológico e mineiro e continua a ser a entidade responsável pela cartografia e pelo conhecimento dos recursos minerais e geológicos do país. Integra também a Comissão de Avaliação, o organismo dentro da Comissão de Acompanhamento da conformidade do projecto de execução com a declaração de impacte ambiental dos aproveitamentos hidroelétricos de Gouvães, Alto Tâmega e Daivões. Mas os pareceres do LNEG não são vinculativos.
E ao contrário dos recursos de fauna e de flora, e dos territórios incluídos em reservas nacionais agrícolas ou ecológicas, não há regime de protecção a prevenir a ocupação ou utilização desses recursos. Assim, é possível desviar uma auto-estrada por causa de uma alcateia de lobos ou impor a construção de ninhos para morcegos para garantir a sua continuidade noutro local após uma construção. Mas não há nada que regulamente o que pode e o que não pode ser feito quando em causa estão recursos mineralógicos – que também são recursos naturais. Não há forma de defender o acesso aos recursos minerais porque não existe uma área de ‘servidão’ associada”, explica o vice-presidente do LNEG.
A directora Geral de Ordenamento do Território, Fernanda do Carmo, explicou recentemente, num debate sobre a importância da cartografia geológica para o desenvolvimento sustentável do território, realizado em Tomar, que as decisões sobre o ordenamento do território têm sempre de ser ponderadas. E que o valor económico que pode ser dado à utilização ou à preservação dos recursos é sempre um dos critérios utilizados.
Actualmente ninguém consegue quantificar qual é o valor económico da jazido de lítio que existe na área de influência do Sistema Electroprodutor do Tâmega. E tal acontece não apenas porque a cotação do carbonato ou do hidróxido de lítio é variável nos mercados mundiais. Mas também porque não há conhecimento suficiente acerca do próprio jazigo, nem uma avaliação estabilizada de quanto é que pode produzir, e a que preço. Isto porque são necessários estudos a maior profundidade e porque está longe de se estabilizar o desenvolvimento das tecnologias que permitem extrair o mineral e tratá-lo quimicamente para poder ser usado nas baterias de produção de lítio.
“O que posso dizer é que o laboratório do Estado tem estado a trabalhar no caminho certo, a fazer pesquisa, a investigar tecnologias. Se foi possível dar resposta ao pedido da tutela para organizar um trabalho em tão pouco tempo é porque havia muito trabalho feito. E é trabalho que não se perde. Mas é necessário fazer muito mais”, comentou Machado Leite.
Portugal tem um território geológico muito rico e, segundo Machado Leite, as instituições académicas e o laboratório do Estado conhecem-no relativamente bem. “Todavia é preciso ir a maior profundidade, fazer trabalhos de geofísica mais funda”. Essa é a principal recomendação do Grupo de Trabalho que analisou o potencial do lítio em Portugal: desenvolver um programa de fomento mineiro destinado a avaliar os recursos minerais litiníferos numa óptica de valorização total destes recursos com produção zero de resíduos. A outra é a constituição de duas unidades tecnológicas, cada uma com metas distintas. A primeira, para criar uma unidade experimental para testar tecnologias para toda a cadeia de valorização de recursos – e aqui, acredita Machado Leite, cabe ao LNEG e às instituições universitárias fazerem esse trabalho. A segunda, para fomentar a criação de uma unidade de demonstração, de carácter industrial, que só faz sentido se surgir pela iniciativa das empresas. Actualmente, andam muitas no terreno, cada uma a lutar por si.