Theresa May, ou os infortúnios da virtude
May pode sobreviver: o hard Brexit não, a menos que os parceiros europeus que querem a ruptura com o Reino Unido prevaleçam em Bruxelas.
O Partido Conservador perdeu a maioria absoluta no Parlamento, depois de a primeira-ministra Theresa May ter convocado uma eleição geral antecipada, que quis marcar antes de se iniciarem as conversações entre o Londres e Bruxelas sobre a saída do Reino Unido da União Europeia.
Theresa May entendeu que não tinha um mandato claro para negociar o "Brexit". Com efeito, em 2015, o Partido Conservador ganhou as eleições com um programa que defendia a permanência da Grã-Bretanha na União Europeia e, na sequência da vitória do "Brexit" no referendo de Junho passado, David Cameron demitiu-se a deixou o seu lugar a May, cuja posição oficial era a do primeiro-ministro derrotado. May comprometeu-se a negociar a saída e defendeu um hard Brexit, que não excluía uma ruptura entre Londres e Bruxelas: essa estratégia dividia o seu próprio partido, nomeadamente os deputados conservadores, e reclamava um mandato democrático.
O referendo britânico, a eleição presidencial norte-americana e a crise dos partidos tradicionais na política europeia foram interpretados por May como uma oportunidade para transformar o Partido Conservador, cuja hegemonia podia ser posta em causa pela ascensão da direita nacionalista e do Partido da Independência (UKIP). A posição moderada, centrista, liberal e europeísta que caracterizava o maior partido britânico foi substituída por uma nova linha populista, nacionalista e antieuropeia, defensora da soberania britânica, crítica das elites urbanas, contra a emigração e protectora dos trabalhadores ameaçados pela globalização e pela modernização tecnológica. A sua estratégia teve uma correspondência directa na radicalização do Partido Trabalhista e a polarização entre os tories e o Labour pôde restaurar a sua co-hegemonia no sistema de partidos à custa da destruição do centro politico.
As sondagens, inicialmente, confirmaram o sentido de oportunidade de Theresa May, que não podia não ganhar as eleições contra Jeremy Corbyn e um Partido Trabalhista dominado por uma direcção esquerdista: a alternativa era entre a responsabilidade conservadora e uma “coligação do caos”, uma “geringonça” onde se misturariam trabalhistas, nacionalistas e outros perturbadores. Mas a vantagem de May diminuiu todos os dias até ao dia da eleição: os dois atentados terroristas do Estado Islâmico que marcaram o período da campanha não interromperam nem aceleraram essa tendência. O sentido do voto foi claro: os britânicos não deram a maioria a May porque são contra o hard Brexit.
Tanto os tories, como o Labour ganharam votos numa eleição polarizada entre May e Corbyn, entre os dois principais partidos e entre os defensores e os opositores do "Brexit". O Partido Conservador continua a ser o maior partido e, com 42% - mais cinco pontos percentuais do que em 2015 - podia ter mantido a maioria absoluta se o Partido Trabalhista não tivesse crescido dez pontos percentuais. Sem maioria absoluta, May pode fazer uma coligação com os Democratas Unionistas (DUP) do Ulster, que têm os mandatos parlamentares que faltam ao Partido Conservador para se manter no poder: a sua exigência é que não exista um acordo especial sobre a Irlanda do Norte no quadro do "Brexit" que a mantenha com um pé dentro e outro fora da União Europeia e fragilize a sua vinculação ao Reino Unido.
May pode sobreviver: o hard Brexit não, a menos que os parceiros europeus que querem a ruptura com o Reino Unido prevaleçam em Bruxelas.