Aterro sanitário do sotavento algarvio está quase a transbordar

A empresa concessionária apresentou uma proposta para alargar a infraestrutura, mas os deputados municipais têm dúvidas em aprovar o “interesse público municipal” para receber na serra o lixo que o litoral produz

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NFACTOS/FERNANDO VELUDO

O aterro sanitário do sotavento algarvio, que recebe metade dos resíduos produzidos na região, esgotou a capacidade de armazenamento. O alargamento desta infra-estrutura que funciona há 16 anos, em plena serra do Caldeirão, está dependente da câmara de Loulé vir a aprovar, ou não, o “interesse público municipal” do projecto, cujos terrenos situam-se em zona de Reserva Ecológica Nacional (REN). Os autarcas acham que estão a ser pressionados e têm reservas em relação aos impactos ambientais que possam surgir.

A proposta de alargar de duas para três o número de células do aterro, situado na Cortelha, concelho de Loulé, estava agendada para ser discutida e votada na última reunião da Assembleia Municipal, no passado fim-de-semana, mas o assunto foi adiado. Os deputados municipais, no passado sábado, fizeram uma visita ao local, e ficaram com muitas dúvidas sobre o “interesse público municipal” que lhes é solicitado. Desde logo, argumentam, a serra recebe o lixo que as populações do litoral não quiseram ter nas proximidades. Depois, as promessas de contrapartidas da administração central, como medidas compensatórias dos impactos negativos, ficaram por cumprir. Dois exemplos: a estrada (EN 2) de acesso ao interior, com a passagem dos camiões com os resíduos, acentuou a degradação e não foi corrigida. A construção da variante norte de Loulé, que ligaria esta cidade a São Brás de Alportel, ficou bloqueada numa rotunda, ficando por construir o último troço com cerca de 1800 metros

Os resíduos sólidos são recolhidos para dois aterros sanitários — um no Barlavento (Portimão) e outro no Sotavento (Loulé) — depois de passarem por oito estações de transferência e duas unidades de triagem. Do lado do sotavento (Portimão/Lagos), o director-geral da empresa concessionária — Algar (Valorização e Tratamento de Resíduos Sólidos S.A), Miguel Ferreira, considera que estão ultrapassados os problemas relacionados com a expansão do aterro: “A assembleia municipal de Portimão já votou permitindo que seja desafectada da REN a parcela para construir a terceira célula”. As reticências colocam-se em relação a Loulé. Na última reunião da Comunidade Intermunicipal do Algarve (Amal), realizada na sexta-feira, a presidente da Câmara de Portimão, Isilda Gomes, teceu fortes críticas ao serviço prestado pela Algar no Verão passado: “Recebemos imensas reclamações”, avançou.

Os autarcas algarvios, à semelhança da posição tomada na altura pela Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), opuseram-se em 2004 à privatização da Empresa Geral de Fomento (EGF),em cujo universo se integra a Algar. Agora, por causa do mau serviço prestado, voltam às críticas. “Estamos completamente comprometidos em resolver os problemas”, declarou o administrador da EGF, Miguel Lisboa, no conselho intermunicipal de Algarve, pedindo um voto de confiança dos autarcas para o novo director-geral da Algar, Miguel Ferreira, que entrou em funções há duas semanas. “Não nos desiluda”, enfatizou Isilda Gomes, lembrando ao gestor a responsabilidade pública de um serviço que é prestado por privados.“ Não se pode exigir qualidade a um hotel de cinco estrelas com o monte de lixo à porta”, enfatizou

O presidente da câmara de São Brás de Alportel, Vítor Guerreiro, aproveitou a presença dos responsáveis pela concessionária, na reunião da Amal, para reclamar uma solução “urgente” para a Central de Valorização Orgânica (CVO), situada neste concelho. Os moradores da zona da Mesquita, disse, protestaram e com razão: “As pessoas não podem estar em casa com as janelas abertas”, enfatizou. Além disso, acrescentou, ali bem próximo encontra-se uma fábrica de cortiça. “A cortiça absorve todos os odores, podemos estar a falar de elevados prejuízos caso a CVO não funcione de forma eficaz” alertou. A concessionária ( que faz parte do universo da Mota-Engil) prevê investir 2, 5 milhões de euros, naquela unidade. Os compostos orgânicos, enquanto o problema não é solucionado, estão a ser transportados em camiões para o aterro sanitário do sotavento algarvio.

Eterna contestação

 A construção dos aterros sanitários, no Algarve, nasceu sob contestação, principalmente por causa dos riscos ambientais que representava. A decisão política acabou por se impor às vozes dos ambientalistas e da população local. Em Março de 2010, ano em que pluviosidade registou valores acima do normal, o aterro transbordou, atirando com os lixiviados e os resíduos sólidos para a ribeira do Vascão, que desagua no Guadiana. “A água não pode escapar”, frisou Miguel Ferreira, referindo-se às condições técnicas actuais, quando questionado pelos deputados municipais de Loulé, sobre as condições de segurança e controlo daquela infra-estrutura.

O gestor lembrou aos eleitos locais que a Algar, no ano passado, distribuiu pelos accionistas cerca de 2, 5 milhões de euros. “Um bom resultado”, enfatizou. A estrutura accionista da empresa é composta pela EGF, que detém a maioria do capital social,com 56%, e pelos 16 municípios da região, com os restantes 44%. 

Quando lhe foi pedido para fazer o ponto de  situação do aterro em termos de capacidade de armazenamento, respondeu elevando a mão direita até ao queixo. A seguir, pediu que fosse aprovado o “interesse público municipal” para construir mais uma célula, cujo horizonte de vida é dez anos. Em alternativa, numa situação mais demorada, a dificuldade poderia ser ultrapassada com uma alteração do Plano Director Municipal (PDM), encurtando a zona da REN. O presidente da Assembleia Municipal, Adriano Pimpão, lembrou que estava a ser colocada “nas mãos do poder local uma decisão que deveria ter sido tomada pela administração central na devida altura”. O aterro sanitário, desde que foi projectado em 1977/98, já previa o alargamento até quatro células. 

Do conjunto das medidas compensatórias previstas, encontrava-se, também, o fornecimento de água e tratamento de esgotos às localidades de Barranco do Velho, Cortelha e Vale Maria Dias, situadas nas proximidades do aterro. No próximo dia 9, finalmente, é o contrato de transferência dos equipamentos para empresa Águas do Algarve, para que a promessa seja concretizada.

Não há quem meta as mãos no lixo

A empresa Algar tem sido muito criticada pelos autarcas. O novo director-geral, Miguel Ferreira, justificou com a falta de mão-de-obra as lacunas que são apresentadas ao serviço que é prestado. “Não conseguimos trabalhadores, temporários, para responder ao aumento do volume de trabalho, durante o Verão”. A solução para o problema, no curto prazo, disse, será transferir funcionários - motoristas e ajudantes - de Gaia para o Algarve. “Lá conseguimos contratar pessoal temporário, aqui [no Algarve] não é possível”, lamentou.

No dia anterior, na reunião do Conselho Intermunicipal da Amal, a presidente da câmara de Lagos, Joaquina Matos, deixara uma advertência: “Se os problemas não forem resolvidos, a gente vai ter que se zangar a valer”. A autarca disse que chegou a admitir, no ano passado, suspender o pagamento da recolha de lixo à Algar, por achar que a empresa não estava a cumprir com o caderno de encargos. Miguel Ferreira, que dirige a Algar desde o dia 16, pediu um voto de confiança. Por seu lado, a autarca de Portimão, Isilda Gomes, disse compreender o interesse do gestor em “apresentar resultados [lucros]”, mas fez outras contas: “Estamos com o Verão à porta, e este ano há eleições”, lembrou.

 

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