Medicamentos ilegais apanhados pelas autoridades estão cada vez mais perigosos
O Infarmed, em conjunto com a Autoridade Tributária e Aduaneira, interceptou no ano passado um total de 15.532 embalagens no circuito ilegal de medicamentos.
Há uma mudança de paradigma: se até agora as pessoas compravam online medicamentos para a perda de peso ou para a disfunção eréctil, são cada vez mais os casos de quem procura analgésicos ou fármacos para doenças oncológicas ou mesmo para o VIH/sida. A Autoridade Nacional do Medicamento (Infarmed), em conjunto com a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), interceptou no ano passado um total de 15.532 embalagens no circuito ilegal de medicamentos. É menos do que em anos anteriores, mas foram mais os casos em que o Infarmed encontrou nos comprimidos produtos com risco elevado para a saúde.
Nas mais de 15 mil embalagens existiam 436.686 unidades (como comprimidos ou saquetas). Os valores são inferiores aos detectados em 2015, ano em que foram retidas ou devolvidas 25.306 embalagens e 619.980 unidades. Há, contudo, um indicador que sobe. Em 2015, as autoridades destruíram 44.653 das unidades apreendidas, e no ano passado o valor subiu para 47.716. Os medicamentos destruídos são os que são considerados mais perigosos. Os restantes são devolvidos à proveniência. “Em 2016 registou-se uma maior percentagem de produtos que foram destruídos, que passou de 7,2% para 11% do total de unidades num ano. Estes medicamentos são produtos de risco elevado, falsificados ou suspeitos de falsificação, em que não está assegurada a qualidade eficácia e segurança”, esclarece um comunicado conjunto do Infarmed e da AT.
Nos últimos anos, o laboratório do Infarmed analisou 227 produtos suspeitos de adulteração ou falsificação com origem nas alfândegas. Em 68% dos casos confirmou-se que eram medicamentos ilegais.
“No circuito ilegal estamos a sentir uma pressão cada vez maior e um aumento da oferta de produtos falsificados, sobretudo via sites”, confirma ao PÚBLICO Helder Mota Filipe, do conselho directivo do Infarmed. O responsável alerta que dentro destas embalagens há vários riscos. No melhor dos cenários, os medicamentos não têm nenhuma substância activa. Mas há muitos casos em que têm “impurezas, substâncias altamente tóxicas para a saúde humana ou até outra substância activa” diferente da que é suposto ter.
O responsável do Infarmed explica que estes supostos medicamentos são sempre comprados online. “Regra geral, o pagamento é feito com cartão de crédito e chega por uma encomenda postal. As pessoas pensam que estão a comprar algo legal e seguro. É preciso alertar que os sites destas supostas farmácias são construídos precisamente para inspirar confiança no utilizador”, diz. E dá mais exemplos: algumas das farmácias têm um suposto médico online que “ajuda o doente a validar a opção terapêutica e que até confirma diagnósticos”.
Sempre que a AT detecta encomendas suspeitas na Alfândega nesta área do medicamento pede ajuda aos inspectores do Infarmed. “Preocupa-nos a evolução que está a ter este fenómeno”, reforça Helder Mota Filipe. As embalagens são cada vez mais sofisticadas. “Deixámos de encontrar só a clássica falsificação para a disfunção eréctil e para o emagrecimento e temos produtos para casos mais complicados e que podem pôr a vida das pessoas ainda mais em risco, como supostos medicamentos na área da oncologia, infecciologia, antibióticos e até anti-hipertensores.”
Da Índia para os EUA
São medicamentos que não existem em Portugal? Mota Filipe explica que, por vezes, é esse o caso. “Mas a compra é feita sobretudo por comodidade, porque as pessoas confiam na aparência dos sites, porque em algumas áreas o médico não quis prescrever ou porque são doenças com algum estigma. O hábito de comprar online está a ser mimetizado para o medicamento.” A sofisticação da contrafacção dificulta. “O circuito do dinheiro e destes medicamentos não se cruza. Além disso, as pessoas não recebem coisas da Índia ou do Paquistão. As coisas são primeiro enviadas para outros países, para ganharem credibilidade, e muitas vezes chegam de países insuspeitos, como os Estados Unidos.”
Só nesta semana o Infarmed detectou no mercado português mais três medicamentos ilegais, dois para emagrecer e outro para melhorar o desempenho sexual. Os medicamentos para emagrecer, com o nome P57 Hoodia e Li Da-Daidaihua, não têm autorização para serem comercializados no país por conterem subutramina, uma substância que foi retirada do mercado europeu depois de se concluir que tinha riscos para a saúde. E o produto Men’s Coffee continha sildenafil, uma substância para o tratamento da disfunção eréctil que só pode ser usada em medicamentos autorizados. As entidades que disponham destes produtos não os podem vender, dispensar ou administrar, devendo comunicar de imediato com o Infarmed.
Reforço de segurança
O Infarmed garante que, a nível europeu, é muito raro ser detectado um medicamento ilegal nas farmácias. “A literatura internacional aponta para um valor muito inferior a 1%”, explica Helder Mota Filipe. Mesmo assim, o responsável do conselho directivo do regulador português do medicamento adianta que estão a ser tomadas medidas a nível europeu para dar mais uma “camada de segurança” ao circuito. A partir de 2019, todas as embalagens de medicamentos terão um identificador com um número de série único e serão seladas. Este regulamento resulta da directiva europeia sobre medicamentos falsificados, publicada em 2011.