PSD apreensivo com revelações sobre chefe das secretas, Costa mantém confiança
Gabinete do primeiro-ministro assume ao PÚBLICO que mantém confiança na escolha de José Júlio Pereira Gomes, envolvido em polémica relacionada com a crise em Timor-Leste. Embaixador defende-se.
No momento em que o primeiro-ministro contactou o líder do PSD para lhe comunicar o nome do novo chefe do SIRP - Sistema de Informação da República Portuguesa (vulgo secretas), José Júlio Pereira Gomes era, para Pedro Passos Coelho, apenas um diplomata de carreira, com uma "vasta experiência em relações internacionais e em matérias de segurança e defesa", como se lia no comunicado de António Costa.
O caso mudou de figura esta semana, depois da publicação de dois artigos, um no Diário de Notícias e outro no PÚBLICO, referindo pormenores sobre a passagem de José Júlio Pereira Gomes por Timor-Leste e, sobretudo, sobre a saída intempestiva da comitiva portuguesa daquele território a 9 de Setembro de 1999, por decisão do embaixador, então chefe da missão de observação portuguesa ao referendo popular do mesmo ano.
O PÚBLICO sabe que o PSD, “tendo em conta as últimas revelações, está a acompanhar o tema com muita apreensão”. Uma declaração que não é de ignorar, tendo em conta que o novo chefe das secretas terá de ser ouvido no Parlamento antes de ser empossado.
A data desta audição ainda não foi marcada e os sociais-democratas garantem que não vão levantar nenhuma questão para já, pelo menos formalmente. Aliás, PSD e PS têm uma outra questão para resolver neste capítulo: Teresa Morais, a candidata apoiada pelo PSD ao conselho de fiscalização do SIRP, e que já foi publicamente recusada pelo PS uma vez, vai a votos a 7 de Junho.
Falta de perfil
A pressão sobre António Costa, relativamente à escolha de José Júlio Pereira Gomes, acentua-se também à esquerda. O primeiro-ministro tem recebido informações de várias origens sobre a polémica passagem do embaixador por Timor-Leste, mas não recua.
Questionado sobre o PÚBLICO sobre se mantém a decisão de nomear o novo chefe do SIRP, António Costa respondeu: “A proposta de indigitação fala pela confiança que tenho no embaixador José Júlio Pereira Gomes para o desempenho das funções para que agora é proposto.”
O PS, no entanto, mostra-se preocupado. A começar por Ana Gomes que, ao DN, disse ter ficado "muito surpreendida e apreensiva” com a escolha, porque, "não estando em causa o percurso profissional, falta a Pereira Gomes o perfil psicológico”. A eurodeputada assumiu ter dúvidas de que o diplomata “tenha capacidade para aguentar situações de grande pressão” e insistiu que “não inspira confiança e autoridade junto dos seus subordinados nos serviços de informações."
Horas mais tarde, num artigo de opinião do PÚBLICO, foi a vez de o jornalista Luciano Alvarez, que estava em Timor-Leste no Verão de 1999, corroborar os episódios descritos pela socialista. Em resumo, Luciano Alvarez escreveu que “José Júlio Pereira Gomes mente quando diz que a saída dos observadores aconteceu por ‘ordem expressa’ do Governo; e mente quando afirma: ‘Todos os timorenses – e seus familiares – que tinham trabalhado com a nossa missão de observação e connosco se tinham refugiado nas instalações da UNAMET foram evacuados [retirados] connosco e em virtude da nossa intervenção.’”
A defesa do diplomata
Na sequência deste artigo, o embaixador contactou o PÚBLICO para expor a sua versão dos factos. Pereira Gomes reitera que recebeu “instruções, ordem expressa para sair” do território. “Ordem essa, posso agora acrescentar, que foi decidida ao mais alto nível do Estado Português”, acrescenta. “Aquilo que digo no meu livro e a que o jornalista chama mentira é a exacta verdade.”
José Júlio Pereira Gomes cita ainda um telegrama do Ministério dos Negócios Estrangeiros no dia 8 de Setembro, para Nova Iorque e Jacarta, onde se lê: "Face iminência nossa Missão Observadores ser obrigada retirar Díli, quadro mais global evacuação UNAMET, muito agradeceríamos V. Ex.ª assegurasse com maior urgência junto essas autoridades que funcionários locais por nós contratados serão também autorizados a sair. Segundo dados transmitidos esta manhã por Dr. Pereira Gomes, haverá 24 pessoas nessa situação, tendo seus nomes sido já comunicados a Chefe UNAMET. Ian Martin terá garantido que os incluirá plano evacuação, tendo porém solicitado estas diligências" (sic).
Ataque na comissão
Apesar de no PS ninguém se atrever a questionar directamente, como Ana Gomes, a escolha feita por António Costa, a dúvida instalou-se em alguns socialistas que já prevêem vir a ter dificuldades quando chegar a altura de defender Pereira Gomes no Parlamento.
PCP e BE não foram ouvidos para a escolha do secretário-geral do SIRP e, por isso, estão mais soltos para a crítica, mas preferem guardá-la para o momento oficial que será a audição de Pereira Gomes na comissão de Assuntos Constitucionais. Será nessa altura que comunistas e bloquistas questionarão o embaixador sobre o seu trabalho em Timor-Leste. O tema é particularmente sensível para o BE. O Bloco nasceu em 1999 e Timor-Leste foi um dos temas mais apaixonantes para o jovem partido. A esquerda não disfarça o incómodo, mas reserva os tiros para mais tarde.