À esquerda do PS há desconforto com Centeno no Eurogrupo

Bloco de Esquerda não quer Portugal a legitimar quem impôs austeridade aos Estados; PCP diz que problema não é quem preside mas como o Eurogrupo actua.

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Mário Centeno LUSA/TIAGO PETINGA

O caminho de Mário Centeno para a liderança do Eurogrupo parece estar a ser preparado com cuidado. Depois de António Costa ter sentido necessidade de descrever as regras de funcionamento daquele organismo europeu, explicando que o cargo de presidente tem que ser ocupado por um ministro, e de ter dito que o responsável da pasta das Finanças “está disponível”, são agora os partidos à esquerda do PS que preferem esquivar-se ao assunto, numa atitude de evitar o confronto com o Governo em matérias de política europeia em que assumidamente não convergem.

O desconforto é evidente no Bloco de Esquerda. Questionada pelos jornalistas esta quarta-feira de manhã sobre se seria bom para Portugal assumir aquele cargo, Catarina Martins disse que o Eurogrupo “não é resposta a nada” e que dali “nunca veio qualquer boa notícia para o nosso país”. “É um grupo de pressão que não tem cumprido regras básicas de legitimidade democrática, portanto não acho bem que um país como Portugal legitime ainda mais um organismo que provou ultrapassar todas as regras da democracia para impor aos países a austeridade e uma opção ideológica para lá das escolhas democráticas” dos Estados-membros, acrescentou a dirigente bloquista, no final de uma visita à feira de Vila Nova de Famalicão. E foi mesmo lapidar, rematando com frieza: “Não acho que faça sentido estarmos nestas conversas; não me parece que seja isto que interessa ao país.”

Ao PÚBLICO, o deputado Jorge Costa vincou que Centeno no Eurogrupo só poderá ser uma boa notícia, se este “tiver uma atitude crítica e distanciada em relação ao que foi o seu funcionamento até agora”, sobretudo em relação aos países endividados do Sul. Mas será má notícia, “se, em vez de defender Portugal, procurar os elogios de Schäuble”.

Sem ponta de credibilidade, diz o PCP

O PCP prefere uma atitude de esperar para ver, mas com uma voz sempre crítica sobre a natureza do Eurogrupo e uma grande dose de desconfiança sobre este processo. Que começou a ganhar corpo com as afirmações do ministro alemão das Finanças, Wolfgang Schäuble, quando considerou Mário Centeno "o Cristiano Ronaldo do Ecofin" – o conselho dos ministros da Economia e das Finanças -, na mesma altura em que voltaram a surgir rumores sobre a possibilidade de Centeno vir a substituir Jeroën Dijsselbloem à frente do conselho. No domingo, foi Marques Mendes, na SIC, a dizer que Centeno está “deslumbrado”, numa “campanha de autopromoção interna” e que se está a “oferecer”.

“Não consigo encontrar uma ponta de credibilidade numa afirmação que é o contrário do que andou a dizer ao longo dos anos”, aponta João Oliveira. E se a Europa der o cargo a Centeno é o reconhecimento de que a política da austeridade que impôs estava errada? Ou será um presente envenenado, um convite a Portugal para assumir a missão impossível de provar que a sua opção política era mais correcta, na expectativa de que este falhe e mostre que não há, de facto, alternativa? O dirigente comunista até admite que a Alemanha possa estar a “usar a táctica de dar uma imagem de marcha-atrás – mas será apenas para disfarçar”.

“Alguém acredita que países poderosos como a França, Alemanha ou Holanda vão pedir a nossa receita”, questiona João Oliveira, para logo  vincar: “Estes Estados vão continuar a impor a sua política e nunca reconhecerão os erros que cometeram. A questão não é quem preside, mas para que serve e a quem serve o Eurogrupo e as opções políticas que quem o lidera aceita impor aos restantes países.” O líder parlamentar comunista garante que o assunto nunca foi abordado nas reuniões entre o PCP e o Governo. “Nem nós perguntamos, nem nos disseram. Não têm que o fazer: é uma questão exclusiva do Governo.”

Este, por seu lado, pode começar a contar os apoios públicos. Depois de Mário Centeno ter mostrado disponibilidade total para o cargo há poucos dias – “É evidente que não fecho a porta ao Eurogrupo nem seria responsável da minha parte fazê-lo”, disse ao Expresso –, António Costa ouviu o seu homólogo espanhol apoiar a ideia. “Sempre preferimos os amigos aos desconhecidos”, admitiu Mariano Rajoy na terça-feira, depois de Costa dizer que o importante é haver uma “visão [ibérica] coincidente” dos interesses e do futuro da zona euro. Na terça-feira també, Joseph Stiglitz, prémio Nobel da Economia, considerou que “seria bom para o Eurogrupo ser liderado por alguém com grande conhecimento da diversidade da zona euro” e das “dificuldades que esta enfrenta”. Com Maria João Lopes

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