As noites de Kinshasa

Uma corrida através de Kinshasa, entre a urgência do quotidiano e a sensualidade das noites de música e álcool.

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A actriz Véro Beya Mputu é óptima, quase faz pensar numa Anna Magnani africana
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A vida não é doce em Kinshasa, uma das cidades mais pobres e mais violentas do mundo, mas mesmo em Kinshasa é possível inventar uma certa douceur de vivre. O filme de Alain Gomis, realizador franco-senegalês, talvez tenha aí a sua principal virtude: constrói Félicité como uma perspectiva sobre o quotidiano da capital do Congo (ex-Zaire), que sem iludir a dureza das condições desse quotidiano evita ser uma simples “demonstração” através da maneira como se coloca perto das personagens e lhes inventa (ou mostra como elas inventam) uma sensualidade que transcende espaços e tempos.

É o que acontece, sobretudo, nas cenas em que a protagonista Félicité canta ou ouve música ao vivo em bares de Kinshasa, e o filme fica embebido duma atmosfera encantatória e quase musical, tanto quanto os presentes se embebem em cervejas e outros álcoois, e os corpos de todos se embebem dum suor que parece que absorve as cores circundantes, os verdes e os vermelhos das paredes e dos tectos (conhecemos a director de fotografia, Céline Bozon, dos filmes em que trabalhou com o irmão Serge: é uma extraordinária operadora).

Estes momentos, que por vezes funcionam como um interrupção da intriga para ficar apenas um prazer mais ou menos ambíguo e mais ou menos ébrio, são a relativa concepção para o estilo realista meramente funcional com que Gomis explana a sua principal linha narrativa: uma mulher (a cantora protagonista) que corre Kinshasa em encontros e desencontros para conseguir desencantar o dinheiro necessário para pagar uma operação ao filho adolescente, que acabou de sofrer um acidente de motorizada. Este roteiro acaba por ser exposto de forma mais convencional, como um panorama para a “vida normal” de Kinshasa.

Aqui, entre os “esquemas” e a corrupção, desenha-se o tema fundamental do filme (o dinheiro, que, se não traz a felicidade, Félicité acaba por trazer), também uma questão na relação da protagonista com o rapaz que passa dias a tentar arranjar-lhe o frigorífico (e no calor de Kinshasa um frigorífico avariado é quase tão dramático como um filho no hospital).

Na sua demanda ditada pela força do instinto maternal, Félicité (a actriz Véro Beya Mputu é óptima) quase faz pensar numa Anna Magnani africana. Mas o filme está longe de ser um Kinshasa, Cidade Aberta ou um Mamma Kinshasa, ficando-se por uma menoridade sóbria mas convencional (à excepção dos momentos que referimos a abrir o texto), ainda assim suficiente para justificar uma espreitadela.

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