O assalto do Estado aos fundos europeus
É uma chico-espertice que dura há décadas, e que subverte totalmente o espírito dos fundos comunitários.
No último sábado, o Expresso fez o seguinte exercício: averiguar os 20 projectos que até ao momento receberam mais dinheiro ao abrigo do Portugal 2020, o badalado programa que tem como tarefa distribuir 25 mil milhões de euros em fundos europeus até 2020. Dão-se alvíssaras a quem acertar nas actividades que têm sido mais generosamente contempladas com o dinheiro da União Europeia. Terá sido a plantação de oliveiras na zona do Alqueva? O desenvolvimento da cultura do caracol em Torres Vedras? A introdução de impressoras 3D no fabrico de alpargatas? Nada disso. O Portugal 2020 tem sobretudo ajudado a Direcção-Geral do Ensino Superior (DGES) a atribuir bolsas a alunos carenciados, o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) a pagar estágios a jovens, e a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) a patrocinar doutorados.
A estratégia é magnífica: o Estado pergunta ao Estado se pode concorrer a apoios estatais, e o Estado permite ao Estado engordar um pouco mais. É uma chico-espertice que dura há décadas, e que subverte totalmente o espírito dos fundos comunitários. Enquanto Pedro Marques e António Costa anunciam debaixo dos holofotes que desta vez é que os fundos vão ser espectacularmente aplicados no desenvolvimento do país, no escurinho dos corredores lá está outra vez o Ministério da Educação a bater à porta do Ministério do Planeamento a pedir umas centenas de milhões para bolsas, que não precisam sequer de constar do seu orçamento. Desta forma, o Governo aproveita o maná europeu para pagar os apoios sociais e desorçamentar despesa, ao mesmo tempo que se pode gabar das magníficas taxas de execução do programa. Todos ganham. Todos, claro, menos o sector privado.
Escreve o Expresso: no Portugal 2020, “19 dos 20 maiores projectos são para pagar despesa do Estado”. Não, não é gralha. No top 20 dos projectos mais subsidiados há um único privado, e num distante 13º lugar – o apoio a um novo complexo industrial no distrito de Aveiro da empresa de papel The Navigator Company. Tudo o resto é dinheiro para o Terreiro do Paço distribuir em gastos correntes. A DGES recebe 77 milhões de euros para estudantes do ensino superior, mais 90 milhões para alunos carenciados. O IEFP recebe quase 100 milhões para estágios “Emprego Jovem”, quase 90 milhões para estágios para jovens (que não “Emprego Jovem”), mais 37 milhões para a contratação de adultos. E por aí fora. Antigamente, os agricultores estouravam os fundos da Europa a comprar jipes. Actualmente, o Estado estoura os fundos da Europa a pagar a sua própria despesa.
Dir-me-ão: antes gastar o dinheiro dos contribuintes alemães em bolsas para estudantes portugueses do que numa frota de Nissans Patrol. Certo. Mas então poupem-nos à hipocrisia de andar a vender o Portugal 2020 como uma magnífica oportunidade para estimular a “produção de bens e serviços transacionáveis” e promover a “internacionalização da economia”. Ainda não foi inventado o economista que explique como tal coisa possa ser conciliável com uma lista de projectos que inclui ainda a “compensação de despesas no transporte inter-ilhas” (40 milhões para os Açores) ou a “via rápida de Câmara de Lobos” (45 milhões para a Madeira). A única coisa que se vê neste Portugal 2020 é o velho Estado Saca-Saca, travestido de poupança à portuguesa: transferem-se 700 milhões da coluna “gastos do Estado” para a coluna “subsídios de Bruxelas” e chama-se a isso um corte na despesa.