“Temos de aprender a partilhar com os espanhóis”
Para Helena Freitas, a cooperação transfronteiriça não é uma utopia, mas uma “inevitabilidade”. As “plataformas colaborativas” das regiões da raia vão acontecer. “É uma questão de tempo.”
Helena Freitas, coordenadora da Unidade de Missão para a Valorização do Interior, criada pelo Governo de António Costa em Março de 2016, e cujo Plano Nacional para a Coesão Territorial foi lançado há seis meses, defende que a grande aposta para desenvolver os territórios da raia devem ser os rios internacionais, em particular o Guadiana.
Porque é que os rios são estratégicos?
Os rios internacionais são absolutamente centrais e é preciso construir uma estratégia à volta deles. Os rios não são apenas locais idílicos. Precisamos da água para os regadios, para abastecer as cidades e as hortas, para [enfrentar] as alterações climáticas, para os transportes, para valorizar o turismo. Os rios são eixos estratégicos de desenvolvimento dos territórios e nestas grandes bacias hidrográficas que partilhamos com Espanha está 60% do território nacional. Temos de aprender a partilhar. Então não é sensato Valença ter uma piscina que serve 20 ou 30 mil pessoas de Tui? Não faz sentido a partilha de parques empresariais entre vizinhos? Tudo o que fizermos a montante, beneficiamos a jusante. O investimento que for feito na cooperação transfronteiriça no lado de Espanha beneficiará sempre Portugal.
Esse investimento deve ser feito em quê?
O Guadiana deve ser o grande projecto estratégico de cooperação transfronteiriça, associado a estruturas de conectividade no eixo das áreas metropolitanas de Sevilha e de Lisboa. É absolutamente estratégico dar navegabilidade ao Guadiana e fazer a ligação Vila Real de Santo António-Mértola. E é preciso construir pontes no Guadiana.
Teria um impacto na vida de quantas pessoas?
De toda a população à volta do Parque Nacional do Guadiana, mas pode afectar muitos mais. Se valorizarmos a cinegética no parque e se rentabilizarmos o produto dessa caça em Sevilha ou Madrid, criamos dinâmicas económicas para além do Guadiana. E quando promovemos o Guadiana como território de paz, criamos dinâmicas globais.
Porquê “território de paz”?
É um espaço onde soubemos criar espaços de entendimento entre povos ao longo de milénios. Os rios têm este ensinamento: dividem, mas também unem.
Como está o Guadiana hoje?
É um rio onde a navegabilidade é residual. Não valorizamos a navegabilidade enquanto elemento estruturante que pode trazer valor económico. Os turistas que estão em Vila Real de Santo António podem visitar Mértola ou Alcoutim através do Guadiana. Hoje não o fazem porque nem as rodovias estão preparadas para isso. São estradas difíceis. Podemos apostar em grandes estradas, mas é isso que queremos? Num contexto de grande harmonia ambiental, era melhor aproveitarmos aquilo que sempre se usou — o rio. Não queremos inviabilizar a actividade económica, mas pensá-la de outra forma. A bacia hidrográfica permite definir uma identidade territorial. Quais são as identidades territoriais à volta das quais devemos pensar o território? Podemos pensar na região administrativa, mas faz sentido?! Não faz. O que faz sentido é pensar nos recursos, nas pessoas e no conhecimento que temos. A identidade é uma condição estratégica para conseguir o desenvolvimento dos territórios. Faz toda a diferença. Todos pensamos no Douro enquanto identidade. Pensamos no vinho do Douro, na cereja do Douro, na amêndoa do Douro. Há uma série de actividade económica “pendurada” na bacia hidrográfica do Douro.
Já estamos a debater o Guadiana com os espanhóis?
Nós estamos à frente.
À frente como?
Os espanhóis têm mais dificuldade em fazer este processo porque têm uma composição administrativa bem mais difícil do que a nossa. Têm uma lógica muito mais fragmentada, com vários níveis de gestão e de responsabilidade e várias instâncias com legitimidade política, o que dificulta o encontro de soluções. E é preciso ver que com o digital o mundo é imparável.
O que diz a quem pensa que isto não vai passar do papel?
A cooperação é uma inevitabilidade. As plataformas colaborativas em território transfronteiriço vão acontecer da mesma forma que acontecem hoje dentro dos territórios nacionais. É uma questão de tempo.