Pedro Cabrita Reis escolhe a arte que vamos ver nas montras do British Bar
É um dos bares históricos de Lisboa, ao Cais Sodré. O pintor e escultor habituou-se a ele quando era ainda estudante e continuou a ser-lhe fiel. Agora decidiu que seria o cenário ideal para mostrar a amigos e desconhecidos a arte de que gosta. Com "inevitável naturalidade".
Pedro Cabrita Reis começou a fazer do British Bar um dos seus lugares quando era ainda aluno da Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa, que não fica longe. Passava lá horas sozinho ou à conversa com amigos, “boas horas”, sempre a olhar para o rio e para a rua através das vidraças que marcam a fachada desta casa com mais de 100 anos no Cais do Sodré. O “trânsito humano” da praça, as pessoas que entram, umas para ver futebol, outras para tomar um copo ou fazer uma refeição nem sempre rápida, interessam a este artista que se habituou a olhar para o trabalho de outros artistas e até a coleccioná-lo. “Gosto de estar num sítio que é ao mesmo tempo familiar e impessoal, onde posso olhar para o céu quando estou sentado à mesa, onde se encontra gente de todos os tipos”, diz ao Ípsilon.
Foi a pensar nessa clientela diversificada, e também em quem passa à porta sem entrar, que Cabrita Reis propôs ao British Bar expor arte nas suas três pequenas montras. Este programa que vai tratar a fachada do bar como uma pequena galeria teve já uma edição em que se mostraram trabalhos do arquitecto Eduardo Souto de Moura e dos escultores Rui Sanches e Ângela Ferreira. Hoje – será assim na última sexta-feira de cada mês até Dezembro – há mais obras para ver: uma estante papeleira que Álvaro Siza desenhou nos anos 1980, e duas esculturas, uma de Ana Jotta e outra de Vasco Costa.
O modelo, alerta Cabrita Reis, não vai ser sempre este que junta um arquitecto e dois escultores: “Estes dois primeiros, calhou assim, mas não é obrigatório. Podem até não ser três obras. O que quero é mostrar o trabalho de artistas, de autores de que gosto.” E mostrá-lo num espaço condicionado, de dimensões particulares, onde é mais fácil surpreender do que numa galeria ou num museu. “Os espaços convencionais não me interessam. O que quero é fazer coisas fora da caixa, capazes de apanhar as pessoas que gostam de arte e, neste caso, as que só querem beber um copo ou ver um jogo.”
O que Cabrita Reis não quer, certamente, é ver o seu nome associado à palavra curator (curador), de que não gosta. “Eu sou um artista a olhar para o que fazem outros artistas e o que proponho é aquilo de que gosto. Mais nada. Não tenho qualquer ambição de programar nesse sentido – já sou artista, não preciso de ser curador.”
O que procura ao levar a arte ao British Bar é aquilo a que chama a “inevitável naturalidade”, a que resulta de surpreender alguém que se deslocou a um “lugar extraordinário de uma cidade extraordinária” só para beber um copo e acaba por encontrar três artistas. “O que eu gosto é de organizar festas, reunir os amigos, beber um copo. E se posso fazer isso uma sexta-feira por mês num dos meus lugares nesta cidade e ainda por cima com obras de que gosto, melhor.”
Cabrita Reis escolheu a pequena estante de Siza – foi feita para pôr em cima de uma mesa e ter os livros de uma vida, aqueles que precisamos de ter sempre à mão, explica – pela “aparente simplicidade, pelo engenho e inteligência do desenho”. A obra de Ana Jotta, uma “espécie de anel” com a inscrição “até à morte sempre forte”, pelo “humor denso que lhe é habitual”, e a de Vasco Costa, um “totem” feito com várias balanças, por ser uma “peça áspera, enigmática, arriscada” que faz pensar naquilo que está sempre prestes a tombar, a quebrar. “Gostava que se olhasse para isto [o seu programa para o British Bar] como um projecto de pequenas coisas, pequenos segredos.”
Esta sexta-feira, Pedro Cabrita Reis vai estar outra vez no bar do célebre relógio cujos ponteiros andam ao contrário (ou no sentido certo, dependendo do ponto de vista) para receber os amigos. É provável que sobre a mesa tenha um whisky e uma água das pedras gelada.