Custos reais das plataformas de informação
Se somássemos todas as horas perdidas por todos os investigadores nesta plataforma estaríamos a falar de algo perto dos cinco milhões de euros.
Porque detestamos preencher plataformas de informação públicas? Pela simples razão de que elas não são criadas a pensar nas necessidades de seres humanos, mas antes nas necessidades dos computadores. Nos últimos anos todos fomos obrigados a usar estas plataformas, seja para entregar o IRS, seja para concorrer a um qualquer concurso público. É uma realidade que o nosso estado se modernizou digitalizando quase tudo, mas se nos facilitou a vida, diminuindo as deslocações a repartições públicas, não deixou de nos infernizar a paciência com a incompreensibilidade dos seus sistemas.
Por estes dias milhares de investigadores e professores encontram-se agarrados a uma plataforma destas, o Balcão 2020. Fecha no dia 30 de Maio o primeiro concurso a projetos de investigação aberto em três anos, o que obriga praticamente todos a concorrer. Ainda antes de entrar na plataforma os investigadores já tinham sido surpreendidos com um manual de quase 500 páginas, face aos manuais anteriores de 50 páginas. Entrados na plataforma, verifica-se que esta foi feita para a administração gerir a sua informação, e não para os investigadores que a têm de preencher.
Ou seja, tendo em conta que estamos a falar de cerca de 20 páginas de inserção de dados, com mais de uma centena de campos para inserir informação, não existe qualquer desenho de interação que oriente a pessoa no preenchimento da plataforma. O design de cada página é igual a cada qual, tudo tem o mesmo valor, não existe qualquer hierarquização ou guias. Existem folhas que aparentemente temos de preencher, mas que se preenchem automaticamente com informação que inserimos noutra qualquer folha de entre as 20, que não sabemos qual.
Por outro lado, temos tabelas horizontais enormes, inseridas dentro de pequenas janelas, que nos obrigam ao constante scroll horizontal em busca de informação que, por vezes, temos de colocar noutra página para que tudo bata certo. A uma determinada altura do preenchimento julguei mesmo estar a jogar pingue-pongue com a plataforma, pela força do automatismo criado por mim para saltar entre páginas e pontos de informação, que só via tabelas a deslizar para a esquerda e para a direita.
Mas a cereja do bolo chega mais perto do final, quando já lutámos o suficiente contra a plataforma, e pensamos que já a dominamos e decidimos clicar no botãozinho de validação, e eis que surge o último nível do desafio, eliminar as dezenas de erros que nos são apresentadas pela plataforma. Não podemos dizer que é mau ter um sistema de validação, se bem orientado pode até servir de ajuda a quem preenche, mas claramente não está aqui para isso, o sistema pretende apenas uma coisa, garantir que o computador não vai ter de fazer esforço algum para nos compreender. Por isso, resta-nos a nós iniciar a tarefa de, por tentativa e erro, encontrar e sanar todos os erros encontrados. Alguns são tão ridículos como ter um campo vazio ou com a indicação de “0”, ou seja, a pobre da máquina não consegue saber que um campo numérico com valor zero vale tanto como um campo não preenchido.
Tudo isto pode ser visto como cómico, ou como fazendo parte das tarefas que a todos nos calham na vida, mas fazê-lo significa aceitar tudo aquilo que está profundamente errado e aceitar que custos astronómicos recaiam sobre os ombros da sociedade. Porque quem desenhou estes sistemas ganhou muito dinheiro para os fazer, mas muito mais dinheiro ainda se perde quando milhares de pessoas com nível de formação de doutoramento investem horas que se acumulam em dias, a tentar compreender como funciona uma plataforma de informação. Se somássemos todas as horas perdidas por todos os investigadores no preenchimento desta plataforma, e o multiplicássemos pelo valor hora do mercado, estaríamos a falar de algo perto dos cinco milhões de euros.
Ora por muito, mas muito menos que isso teríamos um trabalho feito de modo a evitar a maior parte destes problemas, minimizando não apenas os custos, mas garantindo maior sanidade mental aos investigadores. Para isso, toda a construção da plataforma deveria ter começado pela base e não pelo telhado, ou seja, ouvindo os humanos: primeiro entrevistar e ouvir quem tem de lidar com a plataforma, para compreender os seus problemas e necessidades; ao que se juntaria a criação de pequenos grupos de potenciais utilizadores que ofereceriam feedback continuado à evolução do design; tudo feito, deveria ainda passar por uma fase final de avaliação e validação da usabilidade e, claro, da experiência. Isto é o que ensinamos nas nossas universidades, e dá pelo nome de Design de Interação, enquadra-se na disciplina de Interação Humano-Computador, mas parece ter passado ao lado destas plataformas. O princípio basilar desta ciência diz-nos que primeiro está o ser humano, e só depois o sistema e a máquina. Ou seja, é a máquina que tem de se esforçar para compreender o que o humano diz, e não o contrário. De outro modo mais vale manter os nossos funcionários nos balcões das nossas repartições, fica mais barato.
O autor escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico