Noite de Lisboa: Bares e moradores começam a fazer as pazes. O problema é a rua
A nova regulamentação nos bares de Lisboa define horários e exige um limitador de som ligado à polícia municipal. O limite é personalizado a cada bar e pode ir dos 80 aos 120 dB. Desde dia 8 de Novembro já foram feitas cerca de 2 mil “fiscalizações de aviso”.
Já passa da meia-noite. É quinta-feira e centenas de pessoas passam pela Praça de Camões, em pleno centro da capital, em direcção aos bares e discotecas das redondezas. Seis agentes da polícia municipal também seguem nesse sentido, mas não é para beber um copo nem para dar um passo de dança. Vão fiscalizar os estabelecimentos de venda ao público e verificar se estão de acordo com o mais recente regulamento, que entrou em vigor a oito de Novembro do ano passado.
É uma noite como as outras para estes elementos da autoridade. “Fazemos estas rondas diariamente”, garante a subcomissário Paula Reis antes de começar a acção. A diferença é que desta vez também se juntam o vice-presidente da Câmara de Lisboa e vereador da Higiene Urbana, Duarte Cordeiro, e o vereador da Segurança e Protecção Civil, Carlos Castro.
Da Praça de Camões seguem para o Bairro Alto. Ao subir a Rua da Atalaia, os vereadores vão comentando que já se consegue ter uma conversa sem ter que se elevar a voz. Ao passar pelo Spot, consegue-se ouvir a música na rua. É o primeiro bar a ser fiscalizado. Passados nem cinco minutos os agentes da polícia e o engenheiro dos serviços da câmara, Pedro Oliveira, saem do estabelecimento. O volume, medido em tempo real através de uma das quatro plataformas online utilizadas, estava a 100 dB, abaixo do limite máximo de 120. De qualquer modo, não significa que o bar estava a cumprir os requisitos, porque o Spot ainda está na segunda fase do processo de regulamentação. Quer isto dizer que lhe falta a ida dos técnicos da autarquia ao seu espaço para selar o limitador de som e, aí sim, delimitar o máximo de decibéis (dB) adequados à sua localização.
Recapitulando, o processo de regulamentação divide-se em três fases: a primeira, onde já se encontram 224 bares, é informar a câmara de que se pretende comprar limitadores de som, uma intenção que a autarquia terá de aprovar. A segunda etapa, onde se integra o Spot e mais 99 estabelecimentos, é instalar o limitador de som e o microfone. A fase final onde só se encontram 12 bares, é a avaliação acústica medida na habitação receptora mais próxima e a memória descritiva do isolamento do espaço e a selagem dos equipamentos.
120 foi o número de dias dado para adaptação dos estabelecimentos a este novo regulamento. Passaram quase 200 e essa tolerância continua a ser dada, ou seja, a polícia avisa os estabelecimentos que não estiverem de acordo com o regulamento, sem os penalizar. Duarte Cordeiro justifica esse atraso “porque a AHRESP pediu que estendessem o período”, embora Pedro Oliveira acredite que se deve “à falta de stocks dos limitadores e ao atraso dos agendamentos”.
“Passados três meses já chega de pré-avisos e processos de sensibilização, não sei porque estão a dar tempo para se adaptar se já tiveram tempo para isso”. Esta é a primeira reacção de Luís Paisana, presidente da Associação de Moradores do Bairro Alto, à “atitude permissiva” das autoridades. Hilário Castro, presidente da Associação de Comerciantes do Bairro Alto, discorda “Não é ditar a lei e mais nada, os comerciantes não trabalham para pagar multas”, refere. E acrescenta: “a fiscalização está a funcionar e bem”.
Porém, Luís Paisana consegue admitir que o cenário em geral tem melhorado. “Por um lado o barulho dos bares, de facto, diminuiu e penso que se está no bom caminho e que é o princípio de uma mudança. Mas, por outro, tem de haver acção sobre o barulho das pessoas na rua. Esse não melhorou em nada e, às vezes, ainda é pior que o dos bares”.
A inspecção seguiu por mais três estabelecimentos. O processo no Club Carib, no Bairro Alto, está concluído e a ser respeitado. O proprietário veio à porta relembrar que tem o bar há 11 anos e nunca teve uma queixa na câmara, acrescentando que se dá muito bem com quem vive por cima do seu bar e termina: “É mentira se os moradores do bairro disserem que ouvem barulho”.
Já no Cais do Sodré, em direcção à mais conhecida por Rua “Cor de Rosa”, o primeiro alvo foi a Espumantaria do Cais. O limite deste bar é de 89 dB. E cumpre. A altura da música batia nos 78 dB no momento que entramos. Para último lugar ficou a discoteca Viking, na mesma rua. Também se encontra com o processo terminado. O limite permitido a este espaço é 100 dB e é outro caso que cumpre. A música das Spice Girls estava nos 97,8 dB.
Os estabelecimentos estão divididos em seis grupos e cada um tem um horário a cumprir. Os bares e as discotecas inserem-se nos grupos II e III, respectivamente. O horário de encerramento do grupo dos bares é às 02h00 de domingo a quinta-feira e uma hora mais tarde às sextas, sábados e vésperas de feriado.
Quanto às discotecas, podem funcionar até às 04h00, todos os dias da semana. Porém, as que já estavam devidamente licenciadas para funcionar até às 6h antes do regulamento entrar em vigor podem continuar, como é o caso do Lux, do MusicBox ou do Sabotage. Os bares que quiserem ter o horário das discotecas podem fazê-lo desde que cumpram as mesmas regras.
A quem não cumpra os horários e os limites de som serão aplicadas contra-ordenações e também “restrições, para o efeito ser mais imediato”, explica Duarte Cordeiro. Resta esperar que o regulamento contribua para o consenso entre moradores, comerciantes e quem se quer divertir.
Texto editado por Ana Fernandes