PT paga comissão para entrar no mundo Altice
O grupo liderado por Patrick Drahi recebe uma comissão de cada uma das empresas que detém, uma compensação pelos serviços prestados pela Altice. A taxa de franchising já está em vigor este ano em Portugal, mas em França foi chumbada.
A Portugal Telecom já é Altice Portugal. E a acompanhar a mudança de identidade está o pagamento de uma anuidade por participar no clube Altice, que traz como vantagens a todos os membros partilhar das competências que cada um tem. Uma comissão de franchising, cobrada ao longo de 2017, que os responsáveis da Altice consideram um modelo “justo, directo e transparente”, embora não revelem nem o seu valor, nem a que se destina concretamente.
Michel Combes explicou ao PÚBLICO que “o que estamos a tentar é apanhar os diferentes fluxos e os negócios desenvolvidos por cada país, para depois monetizar esses fluxos dentro do grupo”. E acrescenta: “É um método usado por muitos grupos, a Vodafone tem o mesmo para a Vodafone em Portugal”. Na prática, explica o presidente executivo da Altice, Portugal beneficia de pertencer a um grupo que tem empresas em França, Estados Unidos, Israel e República Dominicana. E como tal tem de pagar à Altice. Entre 50 e 70 milhões de euros por ano assumindo a comissão de 2% e 3% sobre as receitas locais, noticiada no final do ano passado pelo jornal suíço Le Temps. Números que não foram desmentidos por Combes quando questionado pelo PÚBLICO: “não revelo os valores”.
A Portugal Telecom – cujo nome e a marca Meo irão desaparecer nos próximos meses para serem substituídas pela nova imagem global da Altice – permitiu ao grupo fundado por Patrick Drahi dar vários saltos à frente em termos tecnológicos. Isso mesmo reconheceram os seus responsáveis esta semana durante o evento de apresentação da nova identidade da empresa, em Nova Iorque. “Do ponto de vista técnico há enormes competências em Portugal, no Altice Labs, que nós espalhámos por todo o mundo”, sintetiza Michel Combes para ilustrar os avanços que a PT tem na fibra e no móvel em relação às suas parceiras do mundo Altice, que estão a beneficiar disso em plena expansão tecnológica do seu negócio. E que pagam também elas uma comissão de franchising à Altice.
E o que recebe a PT? “Conseguimos melhorar a rentabilidade, aumentar o investimento em fibra graças ao nosso modelo de negócio que nos permite ser muito mais eficientes”, responde Combes. Neste aspecto, do modelo de negócio, Patrick Drahi foi mais concreto sobre o que a Altice fez em Portugal, numa ronda de perguntas com os jornalistas, na sede da empresa em Long Island, nos arredores de Nova Iorque. “Quando cheguei a Portugal, a PT estava atrasada [na expansão da fibra, face à Nos]. Como vamos resolver? Primeiro fazemos mais dinheiro, o que fizemos em seis meses. Disseram-me que custava muito [investir em fibra], eu contestei [o preço] e ficou mais barato. Com esta equação: fazemos dinheiro primeiro, reinvestimos, reduzimos custos, área onde temos especialização. Estávamos atrás da Nos [nas casas com fibra], vamos estar à frente durante este ano, estou certo [disso]”.
Mas para além da gestão Altice, que outros efeitos justificam esta anuidade, comum nas multinacionais como as gigantes Vodafone ou Deutsche Telekom, empresas de uma escala muito superior à da Altice em termos globais. Michel Combes dá exemplos concretos: “Usamos fornecedores portugueses no estrangeiro em diferentes áreas, o que beneficia Portugal também. Porque trazemos competências aos fornecedores e geramos melhores condições de preço ao activo português”. Para além disso, “Portugal está a usar a nossa empresa de procurement [central de compras]. Quando falamos da rede de infra-estrutura, os preços que a PT consegue quando usa Ericsson, Nokia, beneficiam de fazer parte do grupo, porque temos um grande efeito escala”. Adicionalmente “irá beneficiar também da Teads [empresa norte-americana da Altice especializada em venda de publicidade digital e análise de dados], que já está a ajudar a PT a implementar a sua estratégia de análise de dados”. Regalias, portanto, de pertencer ao clube Altice, cuja proporcionalidade e transparência não estão isentas de reparos.
O problema francês
O tema foi introduzido por uma jornalista francesa do Figaro, na conferência de imprensa dos media internacionais com Michel Combes e Dexter Goei, administrador financeiro da Altice. Em França não há comissão de franchising porque o regulador do mercado francês travou-a. Quando estará resolvida esta questão? Combes foi evasivo sobre timings mas seguro de que “iremos implementar a comissão em França”, onde a Altice controla a SFR com outros accionistas. Foram, aliás, estes accionistas, fundos com sede em Paris, que estiveram na origem da queixa ao regulador francês que, segundo o Le Temps, contestam a natureza da comissão de franchising, que benefica a Altice e os penaliza. O regulador travou mesmo uma troca de acções entre SFR e Altice, acusando esta última de prestação insuficiente de informação na operação, nomeadamente dados que sustentam o rácio de troca de acções proposto.
Michel Combes, ao PÚBLICO, desdramatiza. “Não é um problema. Implementar a comissão levou mais algum tempo em França porque havia alguns fluxos por definir. Quando o mencionámos enfrentámos alguns objecções [pelo regulador francês], mas toda a gente está confortável com a ideia de que isto é natural”. No entanto, não esclareceu quando é que a SFR começará a contribuir para a rotação de fluxos financeiros do universo Altice.
A arbitragem da Altice
A criação de uma comissão de franchising enquadra-se na ambição da Altice de combater no mesmo ringue global da Vodafone, Telefónica ou Deutsche Telekom – ou Google e Facebook, afirmando a estratégia de convergência entre fixo, móvel e conteúdos de media, alimentada com a mais recente aquisição do grupo, uma empresa de venda de publicidade e análise de dados, a norte-americana Teads.
E na génese dessa ambição está Patrick Drahi, para quem os “fluxos” entre os países onde está presente respondem a um conceito de equilíbrios entre os mercados, neste caso entre as virtudes que cada um pode dar à operação global. Mas não só. Drahi explica que “a forma como se arbitra entre países é muito importante no processo de decisão”. E dá o exemplo da regulação, um tema em que a Altice está a ser visada pela Comissão Europeia, por alegado incumprimento no momento da compra da PT. “A América é muito simples, rápida, a regulação é fácil. Em Israel também é rápido [operar], mas por causa da regulação é extremamente complicado. Em França a regulação é fácil, mas é tudo lento, é preciso falar com todo o governo francês [antes de avançar]”, ilustra Drahi, numa rara descrição pública de como funciona o processo de decisão do fundador, agora bilionário, da dona da Portugal Telecom.
No entanto, o foco desta abordagem holística do universo Altice não é apenas operacional é também financeiro. Drahi, apoiado pelo seu amigo e ex-banqueiro Dexter Goei, executa um complexo plano financeiro que serve de combustível ao motor Altice, fortemente alavancado em dívida e recorrendo a técnicas sofisticadas de arbitragem nos mercados de capitais, com foco nos juros, capitais e cambial. O próprio Drahi explica que “quando se compra num novo país tem de se ter a certeza que a moeda não desvaloriza. Em Israel ganhei 40% só com cambial. Faz parte do meu processo de decisão. Investir nos EUA serve para equilibrar o meu portefólio com dólares”.
Este ângulo financeiro enquadra também a definição de uma comissão de franchising que, segundo os cálculos do jornal suíço Le Temps pode chegar a um valor anual de 500 milhões de euros, cerca de 20% dos lucros do grupo. Um mealheiro arrecadado pela casa-mãe Altice e que entra no tal sistema de fluxos gerido de forma centralizada por meia dúzia de gestores de topo da empresa, num escritório simples, num prédio sem grande aparato, sem qualquer referência à Altice, no centro de Genebra, onde quem passa nem se apercebe que, alguns andares acima, está o cérebro da operação da dona da PT, onde as comissões de franchising são redireccionadas para outros destinos das empresas de Patrick Drahi.
O quartel-general em Genebra
Há poucos anos trabalhavam no escritório de Genebra apenas quatro pessoas, incluindo o próprio fundador. Poucos meses depois, já eram uma dúzia. E a equipa foi crescendo ao ritmo da expansão do grupo. Agora, são perto de 35 gestores, de 18 nacionalidades, incluindo quadros portugueses que tiveram de se mudar das Picoas para um apartamento modesto numa zona residencial suíça. Ainda assim, uma prova de confiança dos novos líderes já que no quartel-general da Altice trabalham as pessoas chave em todo o projecto com ambição global de Patrick Drahi.
Num espaço sem secretariado, sem atendimento telefónico, decide-se todo o mundo Altice. Num ambiente que a própria empresa caracteriza como típico de uma start-up, onde os gestores marcam eles próprios as suas viagens de trabalho através do telemóvel, ilustra fonte oficial do grupo ao PÚBLICO. Vários gestores de Portugal, França, Israel ou Estados Unidos, com idades em torno dos 40 anos, viajam duas vezes por semana, em média, entre esta cidade suíça e os mercados onde estão sediados. No apartamento, “há um verdadeiro espírito empreendedor, com uma equipa muito pequena de gestão para termos agilidade e eficiência”, explicou a mesma fonte que, questionada sobre o enquadramento fiscal desta sede, respondeu que “o grupo paga impostos onde está, à imagem do que cada uma das subsidiárias faz nos seus países”.
Neste centro de comandos, a elite da empresa – com Drahi (o fundador e líder), Combes (o gestor) e Goei (o financeiro) à cabeça – decidem tudo, desde a expansão da fibra em Portugal, às aquisições de empresas de publicidade ou operadoras de cabo nos EUA, passando pelas vantagens cambiais em Israel, a compra da Champions League em França, a contratação do Cristiano Ronaldo ou, fundamental para o crescimento do grupo, a emissão de nova dívida que substitua a antiga a preços mais baixos e maturidades mais confortáveis.
A dívida tem sido identificada pelos analistas como a grande incerteza do projecto Altice. Já este ano, a empresa conseguiu refinanciar quase 30 mil milhões de um total de 50 mil milhões de euros em dívida, prolongando prazos e baixando os juros para a casa dos 6%. Todos os indicadores de desempenho nos vários mercados onde está presente mostram ligeiros crescimentos das operações. E o projecto de expansão não pára, com os olhos postos já noutras oportunidades, seja direitos de transmissão, grupos de media ou empresas de televisão por cabo. Mesmo que gerem dúvidas sobre rentabilidade e sustentabilidade. “Gosto de provar ao mundo exterior que estou certo. Se todos dizem que estou errado, dá mais combustível ao meu motor”, desafia Drahi. Um motor que conta agora com o contributo adicional de uma comissão de franchising.
*O jornalista viajou a convite da Altice