Trump escolheu a via do confronto

Não foi um dia comum na relação transatlântica. Apesar dos esforços europeus, Trump não mencionou o Artigo 5.º e insistiu em que os aliados ou pagam mais, ou não contam com ele.

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Há um problema de apertos de mão entre os dois lados do Atlântico. No final de Março, quando a chanceler visitou a Casa Branca, ficou de mão estendida para o Presidente, enquanto ele olhava em frente com cara de poucos amigos. Percebeu-se depois que não foi intencional, mas a imagem ficou. Nesta quinta-feira, na embaixada americana em Bruxelas, onde Emmanuel Macron foi almoçar com o seu homólogo americano, o aperto de mão da praxe também teve o seu momento difícil. Trump queria retirar a mão, Macron insistia em mantê-la apertada. Venceu o francês.

É uma boa metáfora para um reencontro entre os dois lados do Atlântico, o primeiro desde a eleição do novo Presidente, em que os europeus fizeram tudo o que estava ao seu alcance para oferecer a melhor recepção possível a um líder do mundo livre que já conseguiu pôr em causa os pilares essenciais da relação transatlântica e que ainda olha para a NATO com desconfiança. Trump não correspondeu. Não mencionou o Artigo 5.º ou a “defesa colectiva”. Insistiu no dinheiro, de forma muito pouco amistosa.

O mais interessante é que o New York Times escreveu nesta quinta-feira que a referência ao Artigo 5.º estava prevista no seu discurso na sede da NATO, citando fontes da Casa Branca. O que aconteceu? Ninguém parece saber. Trump, o imprevisível, voltou. Teve palavras ainda mais duras sobre o financiamento da Aliança. Os aliados europeus já tinham garantido o aumento dos respectivos orçamentos de defesa para os 2% até 2024. Trump não lhes deu tréguas. Aumentou a parada, acrescentando que 2% do PIB é “insuficiente”. O lado mais negativo das suas palavras está no facto de ligar directamente os gastos de cada um com aquilo que pode esperar do apoio americano. É um corte radical com o passado e não é uma afirmação clara da defesa colectiva, quando a faz depender das contribuições financeiras. Trump acrescentou que 23 dos 28 países ainda não pagam aquilo que deviam pagar, insistindo em que têm uma enorme dívida acumulada. “Temos de compensar os muitos anos perdidos.”

Quem manda

Trump visitou, de manhã, os presidentes das duas principais instituições da União, Jean-Claude Juncker e Donald Tusk, na novíssima sede do Conselho. No final, o polaco que preside ao Conselho Europeu sublinhou o “terreno comum” na luta contra o terrorismo e um relativo alinhamento sobre o conflito na Ucrânia. Já quanto à Rússia, Tusk limitou-se a dizer que não tem “100 por cento” de certeza de que haja “uma posição e uma opinião comuns”. Insistiu também nos valores que unem os dois lados do Atlântico, mas Trump já demonstrou que dá pouca importância a esse património comum. No final, limitou-se a agradecer o convite.

O Presidente americano tem dificuldade em perceber como funciona a Europa. Prefere as relações bilaterais. Não gosta de instituições multilaterais e gosta de se encontrar com alguém que mande de facto. Quem manda na Europa já não é uma questão nova. Henry Kissinger, há várias décadas, perguntou qual era o seu número de telefone em caso de urgência. Para assuntos económicos, o melhor é ligar para Berlim; quando à segurança, mais vale telefonar para Paris. Londres é o último recurso. Mas nesta quinta-feira Theresa May partiu para Bruxelas furiosa com as fugas de informação dos serviços secretos americanos para os jornais sobre a investigação do atentado de Manchester. O MI5 suspendeu quaisquer contactos com os seus parceiros americanos nesta matéria. Trump prometeu-lhe que iria até onde fosse preciso para descobrir a origem das fugas. Estamos a falar de dois serviços secretos que cooperam fortemente desde a II Guerra.

Angela Merkel apresentou-se em Bruxelas sorridente. Trump estendeu-lhe a mão, que ela apertou. Pode ter sido coincidência, mas o facto de ter recebido, em Berlim, Barack Obama antes de partir para Bruxelas ao encontro do seu sucessor não deve ter sido visto com bons olhos. Os diplomatas americanos avisaram os seus interlocutores europeus de que, se havia coisa que deixava Trump furioso, era qualquer referência elogiosa a Obama. Quanto a Emmanuel Macron, também estreante na NATO, não se apresentou de mãos vazias no almoço com o Presidente. François Hollande foi um parceiro indispensável dos EUA no que diz respeito ao combate ao terrorismo na Síria e no Iraque. A França Interveio no Mali e no Sahel para conter o avanço dos jihadistas. Com a saída do Reino Unido, é a única potência militar que resta à Europa e já gasta o suficiente com a defesa. O Presidente americano felicitou Macron pelo “great job” [bom trabalho] na conquista do Eliseu. Ele próprio apoiou abertamente Le Pen, mas já se esqueceu. O Presidente francês falou à saída de uma conversa “franca” que não escondeu as divergências, mas reafirmou que os EUA são “um parceiro essencial” da França. Macron recebe Putin no dia 29, mostrando que a França está de regresso à liderança europeia.

A sombra da Rússia

A Rússia, como se previa, foi o elefante na sala. Ninguém quis falar de uma questão hoje muito incómoda para o Presidente americano, que tinha deixado os europeus à beira de um ataque de nervos, quando perceberam que se arriscavam a vê-lo passar sobre as suas cabeças e voar directamente para Moscovo, desfazendo tudo o que tinha sido feito depois da crise ucraniana. Isso não aconteceu.

A investigação sobre o envolvimento de Putin na campanha eleitoral americana torna-o mais vulnerável. Ordenou o ataque a uma base aérea síria depois da utilização de armas químicas pelo regime de Damasco, o que criou alguma tensão entre Washington e Moscovo. Para a Europa, a Rússia é a verdadeira questão do Artigo 5.º. Stoltenberg pode, pelo menos, anunciar duas boas notícias. No Orçamento federal que a Administração apresentou ao Congresso prevê-se um aumento significativo (de 40%) da verba destinada à European Reassurance Initiative, lançada em 2015 para garantir a presença de militares americanos nos países bálticos e na Polónia, uma forma de dissuadir qualquer nova aventura de Moscovo. Stoltenberg aproveitou para dizer que esta é a prova de que os EUA estão comprometidos com o Artigo 5.º, em actos que valem mais do que palavras. “Saúdo este sinal forte da continuação do compromisso americano com a NATO e com a segurança europeia.”

O segundo indicador é a entrada do Montenegro como o 29.º aliado. Putin fez tudo o que estava ao seu alcance para desestabilizar a pequena república dos Balcãs Ocidentais, tentando impedir a sua adesão. Nesta quinta-feira, na capital do país (600 mil habitantes), os partidos pró-russos hastearam uma gigantesca bandeira da Rússia. A opinião pública está dividida. A sua geografia faz justiça à decisão: ocupa o último troço da costa mediterrânica entre Gibraltar e a Síria que não é controlado pela Aliança e que a Rússia tentou ocupar.

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