Outros vírus e uma revolução epidemiológica
Investigadores vão iniciar nova viagem em direcção ao Norte do Brasil e desta vez, além do Zika, o projecto vai vigiar o dengue, o chikungunya e a febre-amarela.
Por esta altura, Nuno Faria já estará a bordo de um mini-autocarro a percorrer a região Norte do Brasil para seguir o rasto genético do vírus Zika e de outros, como o da febre de dengue, do chikungunya (ou chicungunha) e da febre-amarela. De malas feitas para uma nova “viagem genómica”, o investigador português da Universidade de Oxford que acaba de assinar vários artigos na revista Nature sobre Zika falou ao PÚBLICO sobre os planos para o futuro.
A nova aventura do projecto ZIBRA (Zika In Brasil Real Time Analysis) já começou. “Vamos a todas as outras regiões do Brasil. A 20 de Maio vamos começar no Norte, em Manaus. E em Novembro vamos para o Centro e Oeste. A ideia é melhorar o diagnóstico e fazê-lo em tempo real e longitudinal, não só para o Zika, mas para outros vírus que são disseminados com o mesmo vector, o mosquito Aedes aegypti”, conta.
O que esperam encontrar? “Não sabemos. Pessoalmente, acho que o Norte do Brasil pode ser – e é no caso da dengue porque já fizemos alguns estudos – uma porta de entrada de vírus que vêm das Caraíbas e que depois se espalham para o resto do país”, diz Nuno Faria, justificando que “existe uma adequabilidade climática muito semelhante, quase sintonizada, entre as Caraíbas e o Norte do Brasil”.
Mas então, afinal, o Zika pode ter entrado também por outra região, o Norte? Talvez, mas se o fez não terá sido de forma eficaz, responde o investigador. “Há autores que defendem que pode ter existido alguma linhagem que entrou na região da Amazónia vinda da ilha da Páscoa e depois foi para o Haiti. Pode ter entrado e ter levado ao que chamamos ‘dead end infection’ [infecção sem sucesso]”, especula Nuno Faria. Se o Norte do Brasil também serviu de porta (sem saída) do Zika e se isso aconteceu ao mesmo tempo ou antes da chegada ao Nordeste é o que vão tentar perceber agora nesta nova digressão do autocarro genómico.
O ZIBRA e o seu método e tecnologia ameaçam ganhar um alcance mundial e, quem sabe, iniciar uma espécie de revolução. “Com o tipo de equipamento que usamos, qualquer instituto, qualquer Ministério da Saúde tem a possibilidade e a capacidade de fazer vigilância de todos os patógenos que estão a circular num determinado intervalo de tempo em determinadas localidades. Espero que haja uma democratização da vigilância epidemiológica.”
Estamos perante num momento de mudança das regras do jogo, acredita Nuno Faria, que adianta que vários países (desde o Panamá até à Costa Rica, Angola, África do Sul, Madagáscar, entre outros) já manifestaram interesse em acolher projectos semelhantes ao ZIBRA. “É uma revolução a nível de epidemiologia. Pela rapidez, pela portabilidade [o sequenciador MinION usado no estudo cabe na palma da mão], pelo custo e porque é uma técnica fácil que pode ser rapidamente assimilada por toda a gente.” E o ideal, diz, era conseguir ter “focos de vigilância activos no mundo, especialmente em zonas onde existe transmissão cruzada de patógenos de risco, uma espécie de brigadas genómicas prontas para a acção”.