Governo quer desentupir tribunais administrativos e fiscais mas não tem juízes para o fazer
Até há muito pouco tempo, estes tribunais tinham apenas 61% dos recursos humanos considerados necessários, segundo o director-geral da Administração da Justiça.
O Governo promete começar a desentupir os tribunais administrativos e fiscais, que são daqueles onde os atrasos são maiores, mas só daqui a ano e meio conseguirá ter mais juízes para lá colocar. Só nessa altura estarão disponíveis os magistrados judiciais que estão actualmente em formação.
Até há muito pouco tempo, estes tribunais tinham apenas 61% dos recursos humanos considerados necessários, admitiu o director-geral da Administração da Justiça, Luís Freitas, num debate sobre a reforma da jurisdição administrativa e fiscal que está a decorrer na Torre do Tombo, em Lisboa. E mesmo com um recente reforço de juízes essa taxa continua, segundo o mesmo responsável, longe de cobrir as necessidades, não ultrapassando 79% do desejável. "Haverá alguma entidade que consiga cumprir a sua missão nestas circunstâncias?", interrogou, e a plateia, composta por muitos magistrados, aplaudiu-o. "A uns dá-se um fato de gala, e a outros um fato roto", lamentou o mesmo dirigente. Neste momento existem 72 mil processos pendentes na primeira instância destes tribunais.
Ainda assim, a secretária de Estado da Justiça, Helena Ribeiro, anunciou a criação de brigadas de magistrados que se vão dedicar exclusivamente a resolver os processos mais antigos, que se eternizam nestes tribunais nalguns casos há mais de uma década, sem resolução. Seja com for, ressalvou Luís Freitas, a solução final a adoptar para recuperar as pendências "não está estabilizada".
“Houve um juiz que me disse que trabalhava virado para a parede para não ver os processos” acumulados, contou Conceição Gomes, do Observatório Permanente da Justiça, onde foi feito um estudo sobre esta matéria do qual saíram recomendações adoptadas por dois grupos de trabalho que também se estão a debruçar sobre o assunto no Ministério da Justiça.
Helena Ribeiro explicou que haverá um grupo de magistrados que terão apenas por missão recuperar os processos antigos. “E haverá um conjunto de funcionários que os auxiliará.” Para a governante, a reorganização dos métodos de trabalho permitirá recuperar as pendências. Será ainda criada uma bolsa de juízes para substituir colegas temporariamente ausentes e dar resposta a necessidades pontuais decorrentes do acréscimo do volume de serviço.Uma medida que, nas palavras da secretária de Estado, servirá para colmatar problemas causados pela ausência das juízas em idade de procriação. Helena Ribeiro não escamoteou a relevância dos tribunais administrativos e fiscais no surgimento de um clima económico e social "propício ao desenvolvimento, à atracção do investimento e à criação de emprego."
Embora se congratule com a criação da bolsa de magistrados e a brigada de recuperação dos atrasos, a presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses, Manuela Paupério, questiona-se sobre o prazo de dois anos dado aos colegas para resolverem as chamadas pendências. "Os juízes que vão pegar nestes processos não os conhecem, terão de os estudar desde o seu início. E os processos que estão há mais tempo parados são em regra os mais difíceis", vai avisando. Mostra-se ainda admirada por o Ministério da Justiça não ter aberto este ano cursos para juízes da área administrativa e fiscal: "Não se percebe como não o fez, dado que conhecia a falta que existe deste tipo de magistrados."
Grande parte dos litígios que inundam os tribunais fiscais são desencadeados pela Autoridade Tributária.A secretária de Estado da Justiça admite que nem sempre a administração fiscal age da melhor forma no que à justiça diz respeito. “Ninguém é perfeito, há algumas falhas na forma como a administração tributária tramita os seus processos mas tem melhorado muito”, acrescentou, explicando que neste momento há uma estreita ligação entre as duas partes. O objectivo é que todas as comunicações entre os tribunais fiscais e a Autoridade Tributária passem a ser feitas por via electrónica, libertando os funcionários das repartições de finanças de tarefas como a triagem, digitalização, impressão e reencaminhamento dos processos judiciais. Ao mesmo tempo, poupa-se papel.
Os dois grupos de trabalho viram a tutela acolher também a sugestão de criação de um gabinete de apoio dependente Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, com especialistas para auxiliar os magistrados em matérias críticas e de maior complexidade: ciências jurídicas, economia, gestão, contabilidade e finanças, entre outras áreas. Para preencher este gabinete podem ser celebrados protocolos com universidades ou ordens profissionais, destinados à realização de estágios.
A especialização é, de resto, um dos caminhos apontados pelos dois grupos de trabalho para a jurisdição administrativa e fiscal, que nesse sentido equacionam a criação de secções nos tribunais dedicadas aos litígios envolvendo funcionários públicos, por um lado, ordenamento do território, ambiente e urbanismo, por outro, e, em terceiro lugar, aos processos relacionados com contratos públicos.