Eurodeputados divididos sobre utilidade de discutir relatório da dívida em Bruxelas
Eurodeputados portugueses de vários partidos divergem sobre o conteúdo do relatório da dívida e também sobre as alternativas para resolver essa questão.
Os eurodeputados portugueses dividem-se em relação ao caminho a seguir para resolver o problema da dívida pública portuguesa e à oportunidade de levar as propostas apresentadas pelo Grupo de Trabalho PS/BE sobre a sustentabilidade da dívida para discussões com os parceiros e instituições europeias, como sugeriu o PSD.
Há divergências não só sobre o conteúdo do relatório, mas também sobre as alternativas para resolver a questão da dívida, tendo em conta o actual debate sobre as reformas de governação da zona euro. As instituições europeias continuam a olhar para a dívida portuguesa com preocupação. Segundo as últimas projecções da Comissão, a dívida atingirá 128,5% do PIB este ano. Apesar de estar à vista a saída de Portugal do Procedimento por Défice Excessivo, a Europa vai manter o radar apontado à dívida.
O PÚBLICO ouviu eurodeputados de vários partidos. PSD e CDS consideram que o relatório de PS e Bloco de Esquerda “inoportuno” e “não concretizável”. Já PCP e BE defendem que o Governo deve concertar-se com outros países em situação idêntica para procurar uma solução a nível europeu. Os deputados e delegação do PS no Parlamento Europeu não responderam ao PÚBLICO.
O grupo de trabalho criado por economistas e deputados do PS e BE para analisar soluções para a sustentabilidade da dívida publicou no final de Abril um relatório com várias propostas. Uma passa pela reestruturação da dívida do Estado português aos seus parceiros da zona euro através de uma redução das taxas de juro e do alargamento dos prazos de amortização. Os juros a pagar por essa dívida seriam reduzidos de 2,4% para 1% e o prazo dado para pagar todo o empréstimo passaria dos actuais 15 anos para 60, resultando numa redução dos encargos com a dívida, cujo valor presente cairia de 130,7% para 91,7% do PIB.
Esta proposta de reestruturação foi apresentada pelo grupo apenas como uma hipótese possível, que possa servir de base para um debate que o Governo português venha a iniciar na Europa sobre o assunto.
O grupo de trabalho defendeu ainda que o Governo avançasse já com o aumento dos dividendos atribuídos ao Estado pelo Banco de Portugal, com a redução da maturidade da dívida emitida pelo Tesouro para reduzir os juros aplicados e com o pagamento antecipado ao FMI. Algumas destas medidas estão já a ser aplicadas.
O eurodeputado do PSD Paulo Rangel diz que o relatório não apresenta uma verdadeira reestruturação, como “o BE e o PS bloquista defendem”, mas, ainda assim, acrescenta, as propostas “são vistas com desconfiança pelos credores”.
O líder da delegação do PSD no PE também considera o relatório “altamente inoportuno”, tendo em conta o actual contexto de debate sobre a futura governação da zona euro em que, acredita, serão reequacionados aspectos importantes com impacto na dívida portuguesa. Por isso, considera que o Governo não deve avançar com estas propostas junto dos parceiros europeus.
“Em vez de tentar que a situação portuguesa seja equacionada no contexto destas reformas, estar um país sozinho a apresentar um documento com esta estratégia é contraproducente”. “É uma estratégia quase albanesa. Sozinhos a clamar no deserto por uma solução para a dívida”. Para Rangel, o relatório demonstra “falta de sentido de oportunidade e de conhecimento dos meandros europeus, o que choca”.
Para João Ferreira (PCP), o documento tem um problema: “Não ataca a dimensão estrutural da dívida” que deve passar pela “renegociação de prazos, juros e montantes”. Com esta perspectiva, defende o líder dos comunistas portugueses no PE, Portugal deve tentar uma acção junto da UE com outros países em situação semelhante.
Mas, caso esses esforços não surtam efeito, Portugal deve avançar “mesmo sem o acordo da UE”. “O caso da Grécia demonstrou que não é possível reestruturar dentro do euro”, afirma, alertando para a necessidade de Portugal “se preparar para recuperar soberania nacional”, ou seja, para a saída do euro.
Já Nuno Melo considera que “a questão (da reestruturação) está morta” a partir do momento em que o recém-eleito Presidente francês se manifestou recentemente contra a mutualização de dívidas do passado na zona euro. O eurodeputado do CDS/PP garante que “não é concretizável mutualizar 31% da dívida”. “Só por um absurdo é que a Estónia ou o Luxemburgo, que têm dívidas abaixo dos 30%, aceitariam suportar 31% da dívida dos portugueses”.
“A esquerda do PS e o BE dão um sinal político grave. O que estão a dizer é que, no que depende do Governo, são incapazes de reduzir a dívida. Dependem de outros países que não estão dispostos a aceitar essa opção”.
A questão deve ser apresentada no âmbito europeu juntamente com outros Estados-membros, defende, por seu turno, Marisa Matias. A eurodeputada do BE distingue entre dois tipos de medidas no relatório: as que dependem do Governo, como os reembolsos ao FMI, e as que envolvem os parceiros europeus. No âmbito europeu, deve haver uma concertação de posições entre países endividados — as economias do Sul da Europa — para se alcançar um acordo.
“Há um conjunto de países na União Europeia que têm dívidas muito elevadas. Isso põe em causa todo o projecto europeu, e não só a sustentabilidade das economias desses Estados-membros”. Por isso, há urgência em resolver o problema, defendeu. com Sérgio Aníbal