Depois da vitória, Rohani prepara-se para o confronto com os conservadores
Iranianos mobilizaram-se em massa para reeleger o Presidente, que promete desafiar as instituições que controlam o país. É a “vingança” dos moderados.
Os iranianos reelegeram o moderado Hassan Rohani, dando-lhe uma larga vantagem sobre o seu adversário nas eleições presidenciais de sexta-feira. O resultado é uma derrota para os conservadores e confere a Rohani um forte mandato para fazer avançar a sua agenda reformista durante os próximos quatro anos.
As eleições contaram com uma elevada participação, depois de uma campanha muito dura em que ficaram patentes as diferentes visões para o futuro do país defendidas pelos dois candidatos. As facções ultra-conservadoras, próximas do Líder Supremo, o ayatollah Khamenei, uniram-se para garantir o sucesso do seu candidato, Ebrahim Raisi. Mas a elevada participação, especialmente em Teerão – onde votaram o dobro dos eleitores de há cinco anos, segundo a BBC, – acabou por beneficiar Rohani. Calcula-se que, no total, 70% do eleitorado tenha votado, obrigando as urnas a permanecerem abertas até perto da meia-noite.
No seu discurso de vitória, este sábado, Rohani manteve a postura de confronto e disse que o resultado mostra a escolha dos iranianos “do caminho da interacção com o mundo, longe da violência e do extremismo”. O moderado obteve cerca de 57% dos votos, contra os 38% recolhidos por Raisi.
No sistema político iraniano, o poder está, em última instância, nas mãos do Conselho dos Guardiães e do Líder Supremo, deixando pouco espaço de manobra para o Presidente. É neste contexto que líderes reformistas como Rohani têm de agir, mantendo um equilíbrio entre as suas propostas – que frequentemente enfrentam o veto dos líderes religiosos ultra-conservadores – e formas de não entrar em colisão directa com o Conselho.
O primeiro mandato de Rohani foi marcado pela assinatura do acordo nuclear com os EUA e outras seis potências (Alemanha, China, EUA, França, Reino Unido e Rússia). O Irão comprometeu-se a congelar o desenvolvimento de tecnologia nuclear e a autorizar visitas periódicas de inspectores da Agência Internacional para a Energia Atómica às suas infraestruturas, em troca de um levantamento das sanções económicas.
A vitória de Rohani é também uma garantia de que o acordo não será posto em causa. A grande ameaça ao acordo parece vir sobretudo de Washington, onde o Presidente, Donald Trump, não tem poupado nas críticas. A sua Administração, no entanto, renovou esta semana o processo de levantamento das sanções.
Um novo Khatami?
Até agora, o Presidente era visto como um pragmático, mas a sua reeleição pode abrir uma nova era nas relações entre os vários poderes no Irão, caso Rohani opte por uma postura de maior confronto com os ultra-conservadores. É sobretudo na arena das liberdades e direitos humanos que essa luta se irá travar, prevêem os analistas. Durante a campanha, Rohani referiu-se aos conservadores que se lhe opunham como “aqueles que cortam as línguas e cosem as bocas”.
Há quem veja semelhanças entre Rohani e o ex-Presidente, Mohammad Khatami, que durante os seus mandatos (1997-2005) defendeu mais liberdades e direitos políticos, e uma maior abertura ao exterior. Num claro sinal de que esta é a via que pretende seguir, Rohani deixou um agradecimento ao “irmão, Mohammad Khatami”, no discurso de vitória, violando em plena televisão estatal a lei que impede qualquer referência directa ao ex-Presidente, em vigor desde que este manifestou apoio a líderes da oposição.
A via do confronto pode, porém, tornar as relações entre o Presidente e o Conselho de Guardiães impossíveis de sustentar, fazendo cair por água qualquer iniciativa de Rohani durante os próximos anos. “Rohani subiu a parada nos últimos dez dias pela retórica que usou, e obviamente que será difícil para ele recuar em algumas destas coisas”, disse à Reuters o professor da Universidade de Stanford (EUA), Abbas Milani.
Uma das perspectivas que a vitória de Rohani abre é a possibilidade de influenciar a escolha do sucessor de Khamenei, de 77 anos, como Líder Supremo. Com um reformista na presidência torna-se mais fácil a esta ala influenciar a escolha da Assembleia de Sábios, onde nenhuma das facções está em maioria.
Para já, Rohani parece estar a responder aos mais de vinte milhões de iranianos que votaram na sua reeleição. “Esta foi uma vingança das pessoas contra os ortodoxos que os intimidaram, que os prenderam, que os executaram, que os conduziram ao exílio, que lhes tiraram o trabalho, e que discriminaram as mulheres”, escreve o correspondente da BBC em Teerão, Kasra Naji.