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“Nesta fase, deve estabilizar-se a dívida em vez de diminuí-la”

Olivier Blanchard, ex-economista chefe do FMI, defende que a consolidação orçamental em Portugal “deveria ser mais lenta do que dizem as regras europeias”.

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"Portugal pode regressar a uma situação mais saudável sem uma reestruturação da dívida", diz Olivier Blanchard Enric Vives-Rubio

Num momento em que as instituições da troika, as agências de ratings, o Banco de Portugal e o Conselho das Finanças Públicas dizem ao Governo que é preciso cumprir as regras orçamentais europeias e começar a diminuir o peso da dívida pública rapidamente, o homem que foi o economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), entre 2008 e 2015, apresenta um discurso diferente. Em entrevista realizada em Lisboa, diz que Portugal já resolveu grande parte dos seus problemas de competitividade e que agora o melhor seria suportar o crescimento com medidas que aumentem a produtividade e estimulem a procura, mesmo que isso pudesse significar uma consolidação orçamental mais lenta do que exigida pelas regras europeias. Olivier Blanchard acredita que os mercados iriam compreender isso.

Em 2006 defendia que Portugal deveria cortar os salários nominais para ganhar competitividade. Desde aí, Portugal já teve recessões, a troika, bancos em falência e mais dívida pública. Continua a recomendar o mesmo?
Em 2007, as coisas pareciam mesmo más, estava-se perante uma grande perda de competitividade e nada estava a ser feito. Pareceu-me que a forma de conseguir regressar a uma situação de competitividade seria um acordo tripartido de redução dos salários nominais. Eu penso que na altura era exactamente o conselho certo a dar, mas claro que estes tipos de acordos são muito complicados de passar à prática e, claro, nunca aconteceu. Por isso, Portugal teve mais do mesmo e depois com a crise internacional, ficou muito pior. Agora, a situação é muito diferente. O meu sentimento é que o desemprego ainda está muito acima do valor de equilíbrio e que o "output gap" é ainda significativo. Nem toda a gente concorda com isto, mas eu acho que é assim, o que significa que a economia precisa de mais procura para crescer. E a competitividade melhorou de forma significativa. O desempenho das exportações tem sido surpreendentemente bom. Não que eu perceba, ou que alguém perceba, porquê e como, mas a verdade é que os resultados são bons.

O turismo, talvez…
O turismo explica uma parte dos resultados, mas não tudo. O desempenho positivo parece ser conseguido um pouco por todas os sectores.

O que é que recomenda, então?
Não daria o mesmo conselho que dei em 2006, no sentido em que não penso que a questão da competitividade seja tão crucial como era. Acho que nesse capítulo, Portugal está já a dois terços ou três quartos do caminho que é preciso percorrer. E, uma vez que um acordo tripartido é uma coisa tão difícil de fazer, apenas vale a pena avançar para ele se o défice de competitividade for muito elevado. Além disso, dado o nível da dívida, que é agora muito mais alto do que era, se se tiver uma descida dos preços e dos salários como aquela que eu defendia, haveria um grande aumento do valor real da dívida. É por isso que agora digo que não deve haver um grande esforço em tentar trazer os salários para baixo, não é essencial neste momento. O que é preciso é de um aumento da procura, um foco no problema do crédito malparado e um aumento da produtividade, que é ainda muito medíocre.

Uma vez que a dívida é um problema, uma reestruturação seria uma boa ideia?
Não. Acho que é possível Portugal viver com a dívida que tem. Reestruturar a dívida significa efectuar cortes e fazer os investidores perderem. Isso pode ter custos elevados. E por isso, se se conseguir evitar, o melhor é evitar mesmo. De momento, não é uma catástrofe porque as taxas de juro são muito baixas.

E quando subirem?
Vai ser mais difícil, mas eu penso que Portugal pode regressar a uma situação mais saudável sem uma reestruturação da dívida. O melhor é não iniciar uma discussão deste assunto. Porque quando se começa a discutir o assunto, a consequência acaba por ser uma subida dos juros, quer a discussão resulte ou não. Para a Grécia, uma reestruturação da dívida é essencial, mas para Portugal não me parece que seja.

Temos então de continuar a reduzi-la, com mais consolidação orçamental? É isso?
Também acho que seria um erro reduzi-la demasiado rapidamente através de consolidação orçamental. Porque o efeito no curto prazo seria terrível. E a verdade é que se fizer um esforço imenso, o que se consegue é reduzir a dívida de 130% do PIB para 120% e não seria isso que faria uma grande diferença.

As regras europeias exigem uma determinada velocidade à consolidação orçamental. E o Governo está a apontar para um excedente orçamental primário substancial. É a velocidade certa?
Eu faria a consolidação orçamental mais lentamente do que dizem as regras europeias. Penso que o melhor seria um excedente primário muito pequeno, com uma dívida pública a reduzir-se lentamente. Iria muito lentamente porque aquilo que me interessa agora é o crescimento. E desde que a dívida seja vista como sustentável, penso que, nesta fase, deve estabilizar-se a dívida em vez de diminuí-la. Depois, quando o crescimento for mais forte, então pode-se ter mais consolidação orçamental. Agora essa não é a prioridade.

As regras europeias dificultam aquilo que deve ser feito em termos de políticas económicas em Portugal?
Penso que sim. Há medidas que seriam muito úteis mas que é difícil aplicar dentro do actual enquadramento europeu. Por exemplo, o investimento público colapsou em Portugal e eu penso que há argumentos para que haja mais investimento público. Este indicador caiu de 5,5% para 1,5%. Não sei qual será o número ideal, mas suspeito que 1,5% seja muito baixo. Outro exemplo: as reformas estruturais em geral têm perdedores, caso contrário seriam fáceis de realizar. E por isso, algumas vezes é preciso compensar os perdedores. Fazer isso significa aumentar a despesa, mas parece-me a mim que, se essa reforma vai fazer uma grande diferença no crescimento, faz sentido gastar o dinheiro. Esse tipo de expansão orçamental deveria ser aplicada.

Portugal faria isso por si só?
O Governo português não pode fazer isso unilateralmente, é uma discussão que tem de ter lugar em Bruxelas, envolvendo todos. Esperemos que isso possa permitir a países como Portugal, quando encontram alguma medida que possa ser útil para a sua economia, passa-la à prática, dentro das novas regras. As regras orçamentais europeias devem ser repensadas e redefinidas. Isso não vai acontecer já, mas Emanuel Macron, como é visto com um amigo da Europa, talvez possa sugeri-las.

As instituições da troika têm mostrado preocupação com a reversão das políticas, tanto na parte orçamental, como noutras questões como o salário mínimo. Isso preocupa-o?
Em relação ao salário mínimo, é algo em relação ao qual eu sou muito a favor, é algo que é essencial numa economia, mas a mim parece-me que o plano de subida até aos 600 euros colocaria este indicador em Portugal a um nível elevado, quando comparado com o salário médio. E, de facto, há uma zona em que o salário mínimo pode ter efeitos negativos de perda de emprego e eu penso que seria melhor evitá-lo. Aquilo que eu sugiro na minha análise é uma redução das contribuições sociais das empresas nos salários mais baixos. Em França isso foi feito e penso que é uma maneira melhor de reduzir o custo do trabalho.

Tem custos orçamentais…
Sim, é óbvio que tem custos, mas tendo em conta que Portugal tem muitos trabalhadores pouco qualificados e muitos deles não estão empregados, isso é algo que deveria ser feito, em vez da subida do salário mínimo. Ou pelo menos, em complemento do aumento do salário mínimo.

As críticas da troika relativas a algumas reversões na austeridade não o preocupam?
Estou confortável com isso. Acho que a austeridade orçamental foi muito forte, por culpa da dimensão do programa da troika. E não vejo absolutamente nenhuma razão para ir à mesma velocidade no futuro.

Em termos de crescimento, aquilo que espera é apenas uma retoma moderada?
Sim. Uma recuperação, com uma redução lenta do desemprego.

Não ficou impressionado com o crescimento no primeiro trimestre?
As pessoas estão muito entusiasmadas pelo facto de o crescimento ter ficado bem acima do esperado, mas ainda há um crescimento da produtividade bastante anémico e por isso, o que vejo para os próximos tempos é uma retoma lenta. Mas pelo menos vejo uma retoma, que era algo que não via em 2006. 

Na Europa também há algum entusiasmo, com a vitória de Macron, um acordo iminente na Grécia e algum crescimento económico. Uma ruptura na zona euro parece mais distante agora. Concorda?
Sim, não vejo uma ruptura na zona euro nos tempos mais próximos. Mas preocupo-me com a Grécia, mesmo que o acordo seja assinado, porque eles têm um problema de competitividade que é muito maior do que aquele que Portugal tinha em 2006 e não registaram grandes progressos no crescimento das exportações. Por isso, ainda tenho dúvidas se eles conseguem ficar no euro ou não, mesmo se tiverem um alívio de dívida significativo e forem autorizados a apresentar um excedente primário mais reduzido. Talvez sim, talvez não. Agora, para a Europa, o que é importante perceber é que a Grécia é realmente um caso isolado na dimensão dos seus problemas.

E os mercados já perceberam isso?
Os mercados sabem isso. Portugal não é a mesma coisa, a Espanha não é a mesma coisa. Os mercados preocupam-se com os bancos na Itália, mas sabem que não é a mesma coisa. A sobrevivência do euro não está neste momento em causa. Agora, sem dúvida que a união tem de ser melhorada. As regras orçamentais são muito complicadas e não muito boas. A esperança é que Macron, se tiver credibilidade, possa discutir estes temas com os alemães sem que os alemães pensem que ele está a tentar destruir a Europa. Espero que isso aconteça.

Quando o BCE abandonar a sua política expansionista, não haverá mais problemas para a a zona euro e para Portugal?
Um dia, não sei quando, as taxas de juro vão subir e o programa de compra de dívida vai acabar. As taxas de juro vão ser mais altas em Portugal e é preciso estar pronto para que a despesa com juros possa duplicar ou mais. Mas acho que Portugal consegue suportar isso e o BCE vai tentar fazer as coisas da forma mais suave possível.

Recentemente mostrou estar menos pessimista em relação a um cenário de estagnação secular na economia mundial. Porquê?
Eu nunca pensei que houvesse uma certeza em relação a estarmos numa situação de estagnação secular. Da forma, como foi definida por Larry Summers, a estagnação secular é um cenário em que a procura é muito fraca e por isso são necessárias taxas de juro muito negativas, algo que é muito difícil de fazer resultar. No passado, houve muitos factores a fazer com que se registassem taxas de juro negativas e que também as fizeram desaparecer. Por isso, penso que ainda não há provas suficientes sobre o que está a acontecer agora, mas a minha sensação é que o mundo pode ter suficiente procura para fazer as taxas de juro voltarem para valores positivos. Mas temos de ter muito cuidado e esperar um pouco para ver o que acontece.

Que impacto pode ter a política económica de Trump?
Não existe uma política económica de Trump, o que existe é uma série de declarações inconsistentes. O que pode acontecer é: ele quer, apesar de nunca o dizer, maiores défices. É um demagogo, quer gastar mais, fazer as pessoas felizes e não se importa com constrangimentos orçamentais. Os Republicanos no Congresso preocupam-se bastante mais com isso. E esse é o jogo que vai ser jogado. Provavelmente os Republicanos não lhe irão dar tudo, mas irão dar-lhe défices um pouco mais elevados. Por isso, penso que haverá uma expansão orçamental nos EUA, sem quaisquer reformas úteis.

E no comércio?
Aí, estou preocupado, mas não muito, porque penso que Trump já percebeu que quando não se é simpático com os chineses, eles podem ser também bastante antipáticos. E o mesmo acontece com os mexicanos. Vai haver ajustamentos nos tratados, mas não guerras comerciais. 

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