CP "encosta" comboios para poupar na manutenção
Oito comboios suburbanos da Grande Lisboa, que custaram mais de 80 milhões de euros e que precisavam de uma “revisão de meia vida”, foram desafectados e aguardam que a IP electrifique mais linhas para voltarem ao serviço
Dois comboios de dois pisos estão desde 2013 estacionados num ramal da estação de Campolide porque a CP entendeu que não eram necessários para a operação nas linhas de Sintra e Azambuja. Estas UQE (Unidades Quádruplas Eléctricas), que custaram 5,7 milhões de euros cada, entraram ao serviço em 1999 e atingiram há quatro anos o seu limite de quilometragem para uma revisão geral – denominada “revisão da meia vida” – a fim de lhes prolongar a sua vida útil por mais 20 anos.
A CP, actualmente liderada por Manuel Queiró, porém, decidiu “encostá-las” (expressão usada na gira ferroviária) porque tal implicaria um investimento de um milhão de euros para cada uma. Dois anos antes, o PET (Plano Estratégico dos Transportes) apresentado pelo então secretário de Estado da tutela, Sérgio Monteiro, reduzira a oferta de transportes públicos no âmbito do processo de ajustamento da troika, pelo que parte do material circulante deixou de ser necessário.
“Considerando que para assegurar o serviço da CP Lisboa são necessárias 10 UQE da série 3500 uma vez que as necessidades de rotação são de apenas 8 UQE, foi decidido imobilizar 2 UQE na data em que atingiram a quilometragem da revisão geral”, explicou fonte oficial da CP ao PÚBLICO.
E o que ganhou a empresa com isso? “Adiamento da despesa correspondente à execução da revisão geral, que de alguma forma foi útil nos últimos anos face às restrições de carácter orçamental”, responde a CP. Ou seja, a CP adiou a despesa de dois milhões de euros, mas mantém parados e a degradar-se material que custou 6,4 milhões de euros.
Esta decisão contraria aquilo que os manuais consideram como um princípio básico de gestão de uma frota: os veículos devem ir rodando na operação, mesmo quando são excedentários, porque ao manterem-se ao serviço degradam-se menos do que se estiverem parados. No caso da CP, porém, a esta visão mais “técnica” sobrepôs-se aquilo que é considerado um sã gestão financeira da frota.
Mas apesar de parado, não houve a preocupação de guardar estas unidade num local resguardado. As UQE estão ao sol e à chuva na estação de Campolide. A CP explica que “ficou parqueado no local onde se encontra o restante material afecto à circulação destas linhas, uma vez que faz parte desse parque de material”.
Estas unidades são da mesma série da frota da Fertagus, que faz a exploração dos suburbanos entre Setúbal e Lisboa. São exactamente iguais às duas UQE que a CP tem paradas em Campolide. E todas pertencem ao Estado: as da empresa pública CP e as 18 usadas pela Fertagus que são propriedade da holding estatal Parpública.
Como não há ligação directa entre a margem Sul e a gare do Oriente (ver PÚBLICO de 121/12/2014 Há linha e há comboios, mas não há serviço entre a margem sul e a gare do Oriente), estas duas UQE que estão paradas poderiam ajudar a suprir esse falha. O PÚBLICO estimou que seria possível prolongar o serviço da Fertagus ao Oriente com, pelo menos, um comboio por hora.
Mas não são só estas duas unidades que a CP mantém “encostadas”. No Algueirão-Mem Martins a empresa tem mais seis UQE (estas das séries 2300/2400 de um só piso) que também atingiram o limite da sua primeira vida e que ali ficaram paradas à espera da revisão geral, orçada em um milhão de euros para cada uma. Ou talvez um pouco mais, visto que o material parado e à chuva e ao calor degrada-se mais do que se passasse logo da operação para a oficina.
A transportadora pública alega mais uma razão para não ter feito a revisão da meia vida a estes oito comboios: a falta de capacidade da sua empresa afiliada EMEF para realizar trabalho, uma vez que tem de cuidar de toda a frota da CP e luta com falta de meios (nomeadamente financeiros e humanos) devido às restrições impostas às empresas públicas nos últimos anos.
O que vai, então, acontecer a estes oito comboios suburbanos? A empresa diz que depende mais da Infraestruturas de Portugal (IP) do que dela própria: “face ao plano de extensão da rede electrificada previsto para os próximos anos e atentos os constrangimentos de execução da EMEF, a CP tem intenção de repor a operacionalidade destas UQE mediante realização da intervenção R2 [revisão geral] imposta pelo ciclo de manutenção, assim que tal seja possível”.