"Há um problema de participação e intervenção accionista"

Abel Sequeira Ferreira, director-executivo da Associação de Empresas Emitentes (AEM), afirma que a ausência de participação não se restringe apenas aos trabalhadores, nem a Portugal.

Foto
Nuno Ferreira Santos

Em respostas por escrito, o responsável pela Associação de Empresas Emitentes (AEM), Abel Sequeira, defende que os esforços que têm sido feitos pelas cotadas para promover a participação dos accionistas não institucionais "têm esbarrado em diversas dificuldades".

Como vê o facto de a última OPV que passou pela bolsa ter ocorrido em 2014, com a REN, não obstante terem havido depois vários casos de privatizações?
Trata-se de um sintoma, entre vários outros indicadores, da fragilidade da nossa Bolsa. Em particular no período de 2011 a 2015, cinco anos em que o desenvolvimento e aprofundamento do mercado de capitais teria sido essencial para ajudar a economia e as empresas nacionais a preparar um futuro mais sustentado, faltou o esforço empenhado de alguns protagonistas que poderiam ter contribuído para a respectiva dinamização e para o relançar do financiamento por via do mercado.

De facto, o problema do mercado português está muito menos no número de empresas que dele possam sair e muito mais na circunstância de não existirem mais empresas que se sintam atraídas a nele entrar; e é incompreensível que, no período mencionado, praticamente nada tenha sido feito para familiarizar as empresas com os instrumentos do mercado de capitais ou para criar um pipeline relevante de empresas para entrada em bolsa.

Uma parte considerável da responsabilidade por esta situação deve-se à inércia da própria Euronext Lisbon; mas, para que o mercado de capitais possa funcionar, também é imprescindível a criação de um quadro legislativo e regulatório adequado, coerente, e simples, que promova que:

  • As empresas queiram e tenham condições para financiar-se através do mercado;
  • Os investidores queiram e tenham condições para investir nas empresas em causa;
  • As estruturas de mercado (e em especial, a bolsa) adaptem o seu modelo de negócio ao rigoroso cumprimento da sua função semi-pública de desenvolvimento do mercado e investimento na economia nacional;
  • As autoridades de supervisão e regulação ajudem a adequar o edifício legislativo e regulatório, e a sua própria actuação, ao quadro das necessidades e objectivos da economia real.

Como temos defendido, precisamos de uma verdadeira agenda para o mercado de capitais, que conte com o empenho do Governo e da CMVM e que obrigue a entidade gestora da bolsa a cumprir as suas obrigações de desenvolvimento do mercado.

Além da fraca adesão dos trabalhadores nas OPV dos últimos anos, verifica-se que nas empresas onde houve grandes adesões no passado, como Galp, EDP, PT, Cimpor, Brisa a sua presença accionista não se fez notar. Como analisa esta situação?
Existe um problema de participação e intervenção accionista, que não afecta apenas os “accionistas-trabalhadores” mas se reflecte nos accionistas não institucionais em geral, e que não é um problema especificamente português antes se encontra generalizado, designadamente, no espaço europeu.

Os esforços que têm sido feitos pelas empresas cotadas no sentido de promover a participação dos accionistas não institucionais nos seus processos de decisão têm esbarrado em diversas dificuldades e na ausência dos incentivos regulatórios adequados.

Conscientes desse facto, legisladores e reguladores, em particular a nível europeu, têm vindo a trabalhar num conjunto de iniciativas que têm por objectivo promover o maior envolvimento dos accionistas na vida das sociedades.

O reforço dos poderes a longo-prazo dos accionistas, com a atribuição de direitos que possam estimular os accionistas absentistas a envolver-se de forma mais concreta nos assuntos das sociedades, a simplificação do exercício dos respectivos direitos e a obrigação de os intermediários financeiros facilitarem o exercício desses direitos, ou a admissibilidade do voto plural, constituem exemplos de medidas positivas em discussão

Do mesmo modo, é particularmente importante que as empresas tenham o direito efectivo de identificar os seus accionistas e de obter informações sobre a identidade dos accionistas de qualquer intermediário financeiro que detenha essas informações, porque só dessa forma as empresas conseguirão assegurar o envolvimento de todos os accionistas com a empresa.

Uma mudança de paradigma nesta matéria, com maior envolvimento de todos os accionistas e maior disseminação de informação por parte dos intermediários financeiros contribuirá também, por certo, para um maior envolvimento dos "accionistas-trabalhadores”.

Sugerir correcção
Comentar