“O Governo até pode ter mudado, mas as políticas na saúde não”
O presidente da Federação Nacional dos Médicos assegura que o bloqueio que sentiram nas negociações com a tutela determinou a greve. Mário Jorge Neves fala em “retrocessos” em alguns acordos e lamenta que o actual ministro mantenha muitas medidas que só existiram por causa da troika.
Em que é que a situação agora, em 2017, é semelhante à de 2012 e de 2014 para os médicos fazerem greve?
Nestes últimos cinco anos mantiveram-se as principais questões, como a degradação das condições de trabalho e do Serviço Nacional de Saúde e o desinvestimento nas carreiras médicas. A grande diferença é que existiam alguns compromissos decorrentes do acordo assinado com a troika, como o aumento das listas de utentes por médico de família. Mas esses compromissos terminavam em 2015 e desde essa altura que nada foi alterado. Garanto que não há aqui uma abordagem corporativa, de tal forma que tentámos o acordo até uma semana antes da greve, prejudicando eventualmente a mobilização dos médicos.
No anterior Governo, com a troika, o clima de crispação política era maior. Não teme que, por isso, esta greve tenha menos adesão?
Politicamente o clima de crispação até pode ser menor, mas no sector da saúde certamente que não é. Quem está no terreno sente o descontentamento generalizado dos médicos e dos outros profissionais de saúde. Tivemos uma verdadeira saída de cérebros para o estrangeiro. O Governo até pode ter mudado, mas as políticas não. O próprio ministro da Saúde há poucas semanas disse numa conferência da Gulbenkian, quase como motivo de orgulho, que tinha seguido as grandes linhas do anterior ministério e mesmo em questões que não têm qualquer impacto orçamental não se consegue que as negociações avancem.
O Ministério da Saúde tem argumentado que não compreende o momento da greve uma vez que havia um calendário negocial que dava resposta, até Setembro, a muitas das reivindicações. Porque decidiram não esperar?
Isso não é verdade. Tivemos 16 encontros e mais de um ano de negociações. No último mês, de reunião para reunião, o Ministério da Saúde fez um retrocesso absoluto em três questões que estavam quase resolvidas: a redução do número de horas extraordinárias a que os médicos estão obrigados, a redução do número de utentes por médico de família e o número de horas que os médicos têm de trabalhar nas urgências. Passaram de uma proposta para resolver esta questão em três anos para uma proposta em que não se comprometiam nem com prazos nem com percentagens e em que só admitiam colocar por escrito num acordo o princípio de que estariam disponíveis para discutir estes assuntos. Perante uma proposta tão redutora não nos restou alternativa, tivemos de avançar para a greve. Esta forma de negociar não é séria.