Em Beja pediu-se “uma moedinha para a Maia que não tem saia”
A festa das Maias é um dos rituais mais expressivos do culto religioso da Roma antiga, associada à Primavera e à fertilidade que se comemora em Beja como há 2000 anos.
Beja festejou, no último fim-de-semana, a festa das Maias, culto religioso que, na antiga Roma, celebrava o despertar da natureza e a fertilidade. As ruas encheram-se de meninas de branco e coroas de flores na cabeça, como as suas avós o fizeram e muitas outras antes delas. Pedem moedas que, em tempos mais duros, serviam para fazer face à pobreza, hoje mais por brincadeira. E assim se celebrou a chegada de Maio.
Este é, ainda hoje, considerado “um dos rituais mais expressivos” do ponto de vista da história religiosa antiga que permaneceu, segundo alguns estudiosos, “sem grandes alterações desde o século V”, sublinha a arqueóloga Filomena Barata.
Há 2000 anos, as Maias apresentam-se vestidas de branco e coroadas de flores silvestres, andavam pelas ruas de Roma a chamar pela Prosepina, uma das mais belas deusas de Roma que, na mitologia romana, é filha de Júpiter com Ceres. Foi raptada por Plutão, enquanto colhia flores, para fazer dela sua esposa. Simboliza pureza, a regeneração da natureza. “Era essencialmente venerada por mulheres, sendo os homens excluídos do perímetro sagrado dos seus templos”, assinalou a arqueóloga durante uma exposição sobre o tema, realizada na biblioteca de Beja na última semana.
Nas festas de Beja, as mulheres deram lugar às meninas que se sentam num trono à porta de casa, na esquina da rua ou na praceta, a pedir uma moedinha.
O historiador Florival Baiôa, presidente da Associação para a Defesa do Património Cultural da Região de Beja (ADPCRB), entidade organizadora do evento, que tem pesquisado sobre a antiga celebração profana, explicou ao PÚBLICO que os cristãos tentaram anular as festividades ao longo de mais de 2 mil anos. Filomena Barata cita José Leite de Vasconcelos, nos seus Opúsculos, Volume V — Etnologia, publicados em 1938, onde destaca uma postura da Câmara de Lisboa de 1385: “Outrossim, estabelecemos que daqui em diante em esta Cidade e em seu termo não se cantem as Janeiras nem Maias, nem outro nenhum mês do ano”.
Mesmo assim, a festividade “atravessou todo o período medieval e até a Inquisição, resistindo às sistemáticas proibições e perseguições dos cristãos, conseguindo manter intacta a linguagem e o ritual”, reforça Baiôa. Há apenas uma diferença, salienta o historiador: Há 60
70 anos, os níveis de pobreza falavam mais alto e o dinheiro recolhido nas colectas servia “para se divertirem na feira de Beja que se realizava durante o mês de Maio ou, como acontecia para a maioria, sempre dava para ajudar a comprar uns sapatos umas saias ou umas calças”. Ele próprio, foi “obrigado” por outros moços, por ser o mais novo, a vestir-se de Maia. “Mantive-me no trono durante horas, sem me poder mexer para ganhar moedinhas. Nós precisávamos de dinheiro para o carrocel da feira de Maio”.
A ladainha “uma moedinha para a Maia que não tem saia” repetiu-se no último sábado numa das ruas mais movimentadas de Beja. Já não é ditada pelas necessidades básicas, quando as aias e os aios (na antiga Roma eram os sacerdotes dos deuses) interpelavam quem passava. Nem as pequenas Maias conseguiam ficar quietas nos seus tronos. Cirandavam pelo espaço da festa, rodeando quem passava e implorando sorridentes um tostãozinho ou um moedinha para colocar no cestinho de vime que foi acrescentado ao ritual.
Queremos notas
Um dos interpelados lamentou não ter mais para dar. Trocou 20 euros em moedas e “já as levaram todas”, contou com um sorriso nervoso dada a insistência das moças que não desistiam. Notaram que os seus bolsos tinham alguma coisa dentro mas eram apenas chaves e... algumas notas. Ao vê-las, o coro das Maias e dos seus aios e aias, ouviu-se sonoro: “Queremos notas, notas, notas”. Sinal dos tempos, a juntar a um outro pormenor: são, sobretudo, as avós que vestem as suas netas de Maias e as acompanham à festa.
Teresa Malveiro é um desses casos. Vestiu as suas duas netinhas de 5 e 7 anos como determina o ritual pagão. Já a mãe a vestia de Maia há 60 anos, recordando o encantamento que sentia com as vestes brancas e os malmequeres amarelos e brancos a adornarem-lhe a cabeça ou o colar que trazia ao pescoço. Tradição que manteve com as filhas e que está a ter continuidade com as netas.
Assim que juntaram algumas moedas, as Maias reuniam o pecúlio e colocavam-no numa caixa que escondiam atrás de um dos “tronos”. Os cestinhos de vime apareciam sempre limpos de moedas.
As festividades das Maias só se realizam, desta forma, em Beja. Noutras regiões do país recorre-se as bonecas de palha ou pano ou, como no Minho e Trás-os-Montes, colocam-se flores nas portas. Há apenas um outro local onde a festa das Maias se assemelha à de Beja: Olivença “mas com um pormenor que a valoriza: a dança das Maias, que não acontece em Beja”, refere Florival Baiôa, lamentando que a associação de defesa do património não tenha verba para custear a deslocação das crianças oliventinas até à capital do Baixo Alentejo.
Maia, a deusa da Primavera que deu nome ao mês de Maio
Para os gregos, Maia era a mais velha das Plêiades, uma das sete filhas de Atlas e que, unida a Zeus, foi a mãe de Hermes, o mensageiro dos deuses, conhecido por Mercúrio entre os romanos, considerado uma divindade agrária e da pastorícia.
Na mitologia romana, Maia é uma antiga divindade itálica, filha de Fauno e esposa de Vulcano, o deus do fogo. Era designada Maia Maiesta e também de Fauna ou Bona Dea (deusa das deusas).
Deusa da Primavera, Maia deu nome ao mês de Maio, que lhe era consagrado por ser a força protectora das casas, da agricultura, das flores, do mundo da ruralidade.