Maio: verde, utópico e índio
Cultura e lutas indígenas estarão em debate no Maria Matos, nos fins-de-semana de 5 a 7 e 25 a 27 de Maio.
As américas dividem-se em Norte e Sul mas unem-se na sub-representação ou no discurso estereotipado e preconceituoso dos filmes que fizeram boa parte da história dos westerns, que não era senão o espelho de uma sociedade profundamente ocidentalizada. Há quarenta e quatro anos, Marlon Brando rejeitava a atribuição de um Óscar pelo desempenho de Vito Corleone, em O Padrinho (1973), de Coppola, dando palco à actriz, e mais tarde activista, Sacheen Littlefeather. O motivo? A forma como a indústria do cinema maltratava os indígenas. Neste mês de Maio, o Teatro Maria Matos propõe trazer à luz do dia uma reflexão heterogénea toda ela centrada no Universo Indígena Latino-Americano, com o intuito de traçar novos percursos desimpedidos de preconceitos do século passado.
Um mapa de afectos e pensamentos que alimentam uma renovada utopia verde na América Latina: eis o ciclo de debates e pensamento “Questões indígenas: ecologia, terra e saberes ameríndios”, onde os filmes serão bem distintos dos westerns do século XX. Realizada no âmbito do Utopia Verde – último ciclo do programa Utopias – e a convite do Lisboa Capital Ibero-Americana da Cultura 2017, a iniciativa procura pensar a problemática ecológica na sociedade contemporânea à luz dos modos de vida e de resistência dos povos ameríndios, reunindo activistas, antropólogos, representantes dos movimentos indígenas e também artistas.
Reconhecidos internacionalmente, Eduardo Viveiros de Castro, etnólogo (5 de Maio), e Ailton Krenak, fundador da Aliança dos Povos da Floresta (6 de Maio), vão protagonizar dois dos momentos-chave do ciclo com a apresentação de conferências acerca da condição do indígena na sociedade actual, com especial enfoque no caso brasileiro, e da relação entre sonho e realidade na cultura nativa americana, respectivamente. Além desta dupla de testemunhos brasileiros, a programação conta ainda com convidados oriundos do Equador, da Venezuela e do Chile, promovendo assim a heterogeneidade de discursos, perspectivas e realidades. Na mesa dos debates estará também a resistência política ameríndia e a necessidade de uma descolonização continuada do pensamento para assegurar os direitos dos povos indígenas face ao modelo capitalista.
O conhecimento também se produz pelo corpo e através de sensações e, por isso, este ciclo, programado por Liliana Coutinho e com consultoria científica de Susana Matos de Viegas, adopta um carácter interdisciplinar, atravessando a filosofia, passando ainda pelo cinema e pelo teatro. Luisa Elvira Belaunde, antropóloga do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, orienta um workshop (7 de Maio) sobre a ética do bem viver nas comunidades indígenas da Amazónia peruana, tendo por base dois acontecimentos específicos: a relação das pessoas com as plantas e com as bebidas extraídas dessas plantas e a prática artística na área da cerâmica, que enfatizam as relações entre escuta, pensamento e acção. Cada sessão (manhã e tarde) incorpora uma exposição das práticas, seguida do visionamento de imagens e de um debate com os participantes.
O homem, a natureza, e a osmose entre ambos é uma das premissas para pensar com os indígenas. A peça de Trinidad González (26 e 27 de Maio), Pájaro, questiona simultaneamente a relação da sociedade ocidental actual com a ecologia e o medo do outro, o que é diferente. A dramaturga e encenadora chilena regressa assim a Portugal depois de ter apresentado La Reunión, em 2014, considerado pelo Público um dos melhores espectáculos desse ano.
E se, durante décadas a fio, o cinema serviu para propagar a hostilização dos povos indígenas pela cultura dominante, através do olhar branco e masculino, vai também surgir, sobretudo a partir dos anos 1980, como meio de auto-representação e ferramenta de reflexão de auto-determinação dos nativos. Espírito da TV (1990) e Bicicletas de Nhanderú (2011) resultam do trabalho desenvolvido pela ONG Vídeo nas Aldeias, em estreita colaboração com os povos indígenas, e vão ser exibidos e comentados durante este ciclo, tal como o documentário biográfico sobre Ailton Krenak, O Sonho da Pedra (2016), realizado por Marco Altenberg.
Todos os eventos são de entrada livre, com excepção das sessões de teatro e workshops. O programa completo pode ser consultado no site do Teatro Maria Matos. É este mês e são dois fins- de-semana: 5 a 7 e 25 a 27 de Maio.