Rui Moreira: a democracia directa tem um “risco ainda maior do que as ditaduras”
Orador numa conferência sobre a crise das lideranças, o autarca do Porto defende que a forma como se vota hoje em Portugal é "completamente anacrónica".
O presidente da Câmara do Porto considerou hoje que o modelo de voto em Portugal é “completamente anacrónico” e avisa que o futuro poderá passar pelo regresso da ditadura ou da democracia directa ou pela reorganização dos partidos. “É completamente anacrónica a forma como nós hoje votamos”, declarou Rui Moreira, enquanto orador de uma conferência que decorreu na Universidade Portucalense, no Porto, intitulada A Crise das Lideranças.
Com uma plateia de alunos e professores a chegar às cerca de 100 pessoas, Rui Moreira referiu que o modelo que está hoje montado para votar era “compreensível em 1974 ou 1975”, quando as pessoas iam votar registando-se taxas de adesão na ordem dos “70, 75, 80%”, e que hoje esse modelo está ultrapassado e fora de época, acusando os partidos de nada terem feito para mudar esse paradigma.
“No fundo, os partidos tradicionais acreditam que, enquanto as coisas estiverem mais ou menos controladas, por que é que se vai mudar o jogo?”, disse o autarca que ganhou a Câmara do Porto como independente, considerando que Portugal está neste momento “parado no semáforo”, à espera do que vai acontecer em França. “Todos estamos à espera que haja uma má notícia europeia e, quando houver uma má notícia, isto cai”, prevê.
Para Rui Moreira, há “três caminhos para andar” no futuro: “Há um caminho óbvio, e é mais óbvio do que parece, que é um dia nós voltarmos a ter ditaduras. (…). Quando o Salazar chegou ao poder, ele criou o nome 'ditadura nacional' e não era nada insultuoso. É bom que se tenha isto como claro. Esta história de que a democracia é uma coisa infalível, que não termina, não é verdade. Vejam o que está a acontecer na Turquia”, declarou o autarca.
Rui Moreira frisou a ideia de que pode ser necessário que Portugal volte a precisar de absorver a soberania. “Para termos a nossa soberania económica, na segurança, podemos ter que precisar de ditaduras. Espero que não seja assim, mas pode suceder. Foi isso que aconteceu com o 28 de Maio. Portugal estava falido, não havia ordem, não havia disciplina, a 1.ª Guerra Mundial tinha sido um desastre e de repente o país quis aquilo. O 28 de Maio não foi feito por uma minoria. Isso pode voltar a acontecer. Isso está a acontecer na Turquia (…) Isto pode suceder em Estados europeus”.
Durante a aula sobre A Crise das Lideranças, outro dos caminhos possíveis que Rui Moreira apontou para o futuro na política em Portugal seria tentar a “aventura da democracia directa”, que seria, segundo explicou, “a transformação naquilo que é o Facebook [rede social] num voto”.
“Era simples”, refere o autarca, explicando que, supostamente, estaríamos numa fase tão adiantada da nossa evolução que já “não precisaríamos de uma democracia representativa”. “Cada um de nós passa para uma democracia referendária em tudo, ou seja, nas decisões nós podemos ser chamados, temos uma aplicação, vamos na rua, em vez de apanharmos um pokémon, votamos em qualquer coisa”, acrescentou, arrancando risos e gargalhadas da plateia presente na aula daquela universidade portuense.
Rui Moreira considera que a democracia representativa dá tempo para meditar, enquanto a democracia directa tem um “risco ainda maior do que as ditaduras”, porque se torna na “ditadura do momento”. “É a ditadura da emoção”.
A terceira via que Rui Moreira traçou para Portugal seria saber como é que os partidos se devem reorganizar. Noutros países, os partidos do pós-guerra basicamente “desapareceram”, defendeu, exemplificando com Itália, França, Bélgica, Holanda ou Dinamarca, e recordando que “subitamente” partidos das “convicções” e “partidos da moralidade ou da ética” começam a crescer. “A ser assim, é perfeitamente razoável que voltem a aparecer partidos xenófobos, partidos chauvinistas, partidos extremistas e a favor de ideias absolutamente impensáveis e que conseguem ser eleitos”, concluiu.
Rui Moreira disse que em Portugal o processo tem sido mais lento do que tem sido noutros países. “Quando olhamos aos principais partidos da democracia portuguesa, a não ser o Bloco de Esquerda, que é recente, os outros partidos são partidos que começaram com o 25 de Abril e alguns já existiam antes”, analisou.
O presidente da Câmara do Porto foi hoje o orador principal do ciclo de seminários Os Caminhos do Futuro, organizado na Portucalense.