"O rating é totalmente indiferente ao nível da dívida"

Portugal deve ganhar folga para evitar mais austeridade, assume Louçã, um dos autores do relatório sobre a dívida. As agências de rating não vão melhorar a notação por sermos bons alunos, considera.

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rui gaudêncio

"Portugal assume que tem que se comportar como se fosse um aluno temeroso" e isso tem que mudar, diz o conselheiro de Estado, em entrevista ao PÚBLICO.

Percebe como é que no Programa de Estabilidade, o Governo prevê uma descida da dívida, para menos de 100% do PIB até 2021?
Sim, através de enormes saldos primários que chegam, aliás, não em 2021, mas entre 2021 e 2023, a quase 5% do PIB. Esses saldos primários são irrealizáveis, porque exigem um nível de austeridade que Portugal não pode suportar. E por isso é que medidas de ajustamento macroeconómico e de gestão, como as da primeira parte do nosso relatório ou combinadas com as da segunda, vão fazendo um abatimento, diminuindo o pagamento de juros e contribuindo para outras receitas do Estado.

A folga que seja conseguida com estas quatro medidas que não precisam de consentimento europeu, devem servir para diminuir a dívida pública ou para reduzir esse esforço de consolidação ao Governo?
Se se refere a um comentário anónimo feito em nome do Banco de Portugal a esse respeito, eu devo dizer-lhe que a questão colocada por essa fonte do Banco de Portugal não tem sentido.

Porquê?
Porque o pagamento de um défice cria dívida, portanto, reduzir o défice significa reduzir a dívida. Ponto final.

Talvez tenha um sentido: se esse dinheiro for gasto noutras medidas, nomeadamente de apoio social, ou de redistribuição de rendimentos, é só um ganho de curto prazo...
Não, não, o esforço de recuperação de rendimentos não é um ganho de curto prazo, porque a população pobre de Portugal possa ter mais dez euros para o consumo.

Eu estou a falar na perspevtiva contabilística...
Eu sei, eu sei, mas a perspectiva contabilística é ignorar as pessoas, a economia são as pessoas e, portanto, o reforço de capacidade de investimento, de qualidade ou de recuperação de rendimentos de uma população que é afectada pela maior desigualdade que existe na UE é uma vantagem para a economia.

Mas a verdade é que não contribui para diminuir a dívida...
Contribui, sim, porque faz crescer o produto. O que faz crescer o produto expande a nossa capacidade de produção, o que faz aumentar a dívida é reduzir os salários e reduzir as pensões. Parece fácil, não parece? A Passos Coelho e Assunção Cristas pareceu muito fácil tirar as pensões dos mais idosos, mas isso aumenta a dívida, porque reduz o produto com uma política recessiva e de empobrecimento. Agora, há investimentos de má qualidade que são desperdício e há investimentos que são vantajosos, porque criam estrutura produtiva.

Não seria preferível abater esse dinheiro à dívida para melhorar o rating e baixar os juros?
O rating é totalmente indiferente ao nível da dívida.

Acha mesmo? Para as agências de rating é totalmente indiferente? 
Para as agências de rating é totalmente indiferente. As agências de rating classificavam o AIG, que era a maior seguradora mundial, dois dias antes de ela ter falido, como triplo A.

Estou a perguntar se o nível da dívida não entra nos critérios de avaliação da República...
O critério das agências de rating é um critério político, não é um critério financeiro. Não tem que ver com a realidade da economia portuguesa. A economia portuguesa registou saldos primários positivos nos últimos dois anos, registou um crescimento que é significativo ao nível da UE, apesar do esforço que nos é imposto pelo Tratado Orçamental, e continuamos "lixo". Não muda nada, a única decisão é política e é por isso que a DBRS, que é uma sucursal do BCE, toma decisões políticas de manter Portugal fora do "lixo", nada mais. Nós podemos fazer o que quisermos, que nada mudará do ponto de vista do conceito do "lixo" pelas três principais agências de notação. Não há nada a fazer esse respeito, elas não mudarão.

Quando é que acha que esse critério muda?
Depende das decisões políticas que as instituições internacionais possam tomar, União Europeia, Fundo Monetário Internacional e as outras organizações que...

Portanto, não depende das políticas internas... 
Exactamente, depende das políticas internacionais. Repare no que dizem estes relatórios sobre Portugal: dizem que Portugal está em falta com elas porque não facilitou suficientemente os despedimentos. Podemos perguntar: por que é que, num país com 1 milhão de desempregados, é preciso facilitar ainda mais os despedimentos? Não há nenhuma razão para isso, é facílimo despedir em Portugal, a precarização generalizou-se, mas há aqui um aspecto ideológico. Eu sugiro que se tenha simplesmente a cabeça fria. Pensar que a economia portuguesa não depende dessas agências e é por isso que é tão importante o plano de financiamento do Banco Central Europeu.

Mas há muitos factores externos que incidem sobre a economia portuguesa que dependem desses critérios.
É verdade! Portugal está muito condicionado por uma prisão ideológica

Mas não admite que, por exemplo, as reservas que o Governo coloca a uma das propostas que este relatório apresenta, que tem que ver com as maturidades da dívida colocada pelo IGCP, possa ter efeito na classificação das agências de rating?
O secretário de Estado do Orçamento dirigiu o grupo de trabalho, presidiu a todas as suas reuniões e participou em todas elas.

Mas também foi o primeiro a afastar-se dessa proposta...
Não, foi o primeiro a mostrar cuidado com essa proposta e deve haver cuidado com a gestão dessa proposta. 

Essa proposta pode aumentar os receios sobre a economia portuguesa...
Não, a média das maturidade em 2013, não considerando a parte institucional (UE, FMI), era de 5,1 anos. Agora passou para 6,6 e Portugal é o único país na UE que está a aumentar a média das maturidades. Ora, a proposta do grupo de trabalho é voltar ao nível que estavam em 2013, no terceiro ano de intervenção da troika. E fazê-lo porque isso dá uma enorme folga — 390 milhões de euros em juros por ano. A proposta não altera a dívida que existe hoje, mas as emissões futuras têm uma componente maior. 

Mas isso também depende da conjuntura...
Por isso, o relatório é tão cuidadoso.

O BCE está a mudar a sua política de compra de activos. Até que ponto é que isso não deve levar-nos para uma política mais prudente?
Não, o BCE está-nos a ajudar, o BCE está a dizer que pode haver uma parte maior de dívida de mais curto médio ou prazo e, portanto, está a abrir a possibilidade de Portugal possa ir neste sentido. Mas por que é que Portugal há-de fazer o contrário do que fazem outras economias que têm performance igual à portuguesa? É por razões políticas e essas razões políticas têm que ser vistas com alguma atenção.

Não será também por haver maior desconfiança em relação à evolução da economia?
Maior desconfiança? A curto prazo, nós emitimos a juros negativos. Desconfiança? Enorme confiança, quando nós fazemos uma emissão de dívida temos três vezes a procura sobre os títulos que são oferecidos. Não, não, Portugal é que assume que tem que se comportar como se fosse um aluno temeroso. A nossa proposta é prudentíssima. É simplesmente voltar atrás, em relação há três anos, quando a regra era da troika, fazê-lo de uma forma faseada ao longo do tempo e perceber que 390 milhões de euros, num nível de maturidade média que continuará elevadíssimo, é uma vantagem para a economia portuguesa.

Considera que o Governo ainda poderá aplicar esta mudança de estratégia na gestão da dívida pública?
Eu acho que o relatório indica vantagens e desvantagens e pondera-as cuidadosamente. Percebo perfeitamente que o Governo as trate com cuidado essa e outras. Outras, aliás, têm sido muito discutidas, como a questão dos dividendos do Banco de Portugal.

Digamos que é um capítulo em que o secretário-geral do PS vai ter que se esforçar mais, para explicar ao primeiro-ministro?
(risos) Não, repare: o Ministério das Finanças tutela diretamente o IGCP e, portanto, é uma decisão directa da tutela sobre o instituto emissor de dívida pública. E, portanto, ao dar um sinal de alguma alteração política, deve ponderá-la com muito cuidado.

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