Francisco vai percorrer as ruas do Cairo sem carro blindado
O Papa quer que a visita permita contacto com a população, e assim opta por menos medidas de segurança, mesmo depois de dois atentados contra cristãos neste mês.
O Papa Francisco chega esta sexta-feira ao Cairo para uma visita de dois dias para se dirigir a uma comunidade cristã vítima de ataques e para visitar o grande mufti da Al-Azhar, a instituição de referência do islão sunita.
Depois de atentados que mataram mais de 40 pessoas no Domingo de Ramos, em dois atentados reivindicados pelo Daesh, um numa igreja e outro à porta de uma catedral, o Papa manteve a visita ao Egipto – e a intenção de não usar um carro blindado quando andar nas ruas do Cairo, por temer que isso impedisse o contacto com os egípcios comuns. Fontes do Vaticano disseram à emissora pan-árabe Al-Jazira que os ataques apenas aumentaram a determinação de Francisco em fazer a viagem, que será a segunda visita de um Papa ao Egipto – João Paulo II esteve no Cairo em 2000.
A segurança foi apertada para a visita papal, cujo ponto alto será uma missa celebrada num estádio gerido pelos militares. O regime egípcio declarou três meses de estado de emergência depois dos atentados do Domingo de Ramos. O Papa, disse o porta-voz do Vaticano Greg Burke, disse que Francisco não estava demasiado preocupado com a segurança. “Vivemos num mundo do ‘novo normal’. Mas seguimos com serenidade”, concluiu.
“É realmente comovente que o Papa Francisco tenha decidido vir depois de tudo o que aconteceu”, disse ao Washington Post Paula Yussef, que estava numa das igrejas atacadas no Domingo de Ramos e perdeu alguns amigos no atentado.
“À luz dos atentados recentes, a comunidade cristã no Egipto sente-se cada vez mais vulnerável”, comentou Art Kirby, do Catholic Relief Services, a organização norte-americana de apoio àquela comunidade, também ao diário norte-americano. “No entanto, muitos socorristas, e mesmo algumas vítimas, eram muçulmanas” – o caso por exemplo dos polícias que guardavam a catedral que impediram o bombista suicida de entrar, e morreram quando este se fez explodir. Daí que a mensagem da visita do Papa seja também para a solidariedade entre as duas comunidades. Além do mais, diz Kirby, é digno de nota que o Papa visite um país com tão poucos católicos (serão menos de 200 mil – já os coptas são 10% dos mais de 90 milhões de egípcios).
As relações ao nível dos representantes – os muçulmanos não têm um Papa, mas a Al-Azhar é normalmente considerada a instituição que representa o islão sunita – atingiu um ponto baixo em 2011 depois de Bento XVI ter pedido ao Egipto para proteger melhor a minoria cristã depois de um atentado na véspera de Ano Novo numa igreja que matou mais de 20 pessoas (e de em 2006 ter apresentado o islão como uma religião violenta). O Papa e o grande mufti deverão ainda encontrar-se com o patriarca ortodoxo Bartolomeu de Constantinopla.
Mas há outros cristãos egípcios que não partilham o entusiasmo com a visita papal. “Esta é uma visita para VIP”, queixou-se à Al-Jazira Kerolos Fakhry, que anda à procura de metal para reciclar nas lixeiras do Cairo. “O Governo não se interessa por nós. Quero sair do Egipto – trabalho 18 horas por dia e mesmo que este seja também o nosso país, não conseguimos ter os nossos direitos básicos.”
Os cristãos coptas, cuja grande maioria vive no Egipto (que é, pelo seu lado, o país com uma maior minoria cristã da região), estão cada vez mais atacados – não só pela ameaça islamista como na sua vida no dia-a-dia, por problemas com vizinhos muçulmanos, especialmente em pequenas comunidades. Uma das razões foi o seu apoio ao Presidente Abdel Fattah al-Sissi, que derrubou o regime da Irmandade Muçulmana. Muitos estão a deixar o país. Como comentou Samuel Tadros, do centro Hudson para a Liberdade Religiosa em Washington, à emissora australiana ABC: "O que começou como uma onda é agora um tsunami".